Novembro 24, 2024
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Assédio moral e política de metas abusivas ameaçam saúde de bancários

Lisa Carstensen
Repórter Brasil

 
Em um contexto marcado por denúncias constantes de assédio moral organizacional, aquele que não é pontual, mas sim sistemático, por afastamentos relacionados a problemas de saúde e até por suicídios, a pressão por metas abusivas é vista por dois em cada três bancários brasileiros como o principal problema enfrentado pela categoria em 2013. É o que aponta consulta feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) com a participação de 37 mil trabalhadores do setor. Dos participantes, 66,4% reclamaram deste ponto específico.

 
Metas “desafiadoras” ou “abusivas”?

 
Não existe hoje no Brasil um registro com as denúncias sobre assédio moral. Contudo, a juíza Cláudia Reina diz perceber um crescimento das denúncias, que entende ser uma mudança na cultura empresarial: “Hoje a cultura em muitas grandes empresas é de metas, metas, metas. É assim: o indivíduo tem que estar em constante aperfeiçoamento, em constante concorrência, é um indivíduo que vive para o trabalho. A forma de como o trabalho está organizado já é muito cruel. E muitas vezes as metas não têm nenhum parâmetro”.

 
O setor bancário no Brasil e no mundo vem passando por uma reestruturação produtiva e se internacionalizando desde a década de 1970. Mesmo considerando que o sistema financeiro do país não foi tão atingido pela crise internacional deflagrada em 2008 do mesmo jeito que em outros países, observa-se uma aceleração das tendências de reestruturação que se soma a um processo anterior.

 
No Brasil, após a reforma da moeda, com a adoção do Real, e a abertura do mercado, observou-se uma onda de privatizações, entrada de bancos estrangeiros ao país e fusões. De acordo com uma pesquisa efetuada pelo Dieese em 2011, o lucro líquido dos maiores bancos que atuam no Brasil cresceu quase 500% em dez anos; de R$ 8,09 bilhões em 2001 para R$ 48,41 bilhões em 2010, com somente sete grandes empresas dividindo o mercado entre si.

 
Ao mesmo tempo, mudanças na estrutura social brasileira possibilitaram o acesso aos serviços financeiros de novos grupos sociais e mudanças nos mercados financeiros globais levaram a uma diversificação de produtos e clientes.

 
Os anos 1990 trouxeram novas formas de gestão do trabalho no setor. De 1999 a 2010, o processo de terceirização acentuou-se, ao passo que o investimento dos bancos em serviços de terceiros aumentou em 368%, atingindo R$ 10,5 bilhões. Ao mesmo tempo, novos modelos de gerenciamento e controle de qualidade total foram introduzidos.

 
Muitos destes novos modelos funcionam com base em metas “desafiadoras”, muitas vezes difíceis ou impossíveis de ser atingidas e que levam a jornadas extensas, individualização dos trabalhadores, concorrência e estresse contínuo.

 
Luciana Veloso, auditora fiscal do trabalho em São Paulo, lembra que é importante ter em mente que as metas também criam sentimentos de injustiça quando imprevistos, como falhas de equipamento ou reclamações de clientes, os impedem de chegar aos resultados ambicionados. Ela apresentou casos e discutiu o tema durante o Ato Público de Reflexão Sobre Assédio Moral no Setor Bancário, realizado em outubro em São Paulo.

 
Juvandia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, explica que as metas a atingir por vezes levam os trabalhadores a vender produtos financeiros mesmo durante festas familiares. Na opinião dela, essa política também prejudica os clientes, que muitas vezes acabam comprando produtos que não precisam.

 
Ela entende que a concorrência e o isolamento entre os trabalhadores são os maiores obstáculos ao combate ao assédio moral: “O isolamento não é proteção. O problema tem que ser arrancado pela raiz, é importante procurar ajuda. Não vale chegar a perder a saúde mental por causa do trabalho”.

 

 

Denúncias e negociações

 
Quanto às políticas de metas orientadas ao trabalhador individual que chegam a prejudicar sua saúde, os representantes sindicais dizem que isso só pode ser superado com base em ação coletiva e organizada dos trabalhadores.

 

“É preciso que haja um olhar mais coletivo do processo de trabalho e que os trabalhadores participem nas definições das metas”, enfatiza Walcir Previtale, secretário de saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), em nota da entidade.

 

Na cláusula 41 da Convenção Coletiva de Trabalho 2010/2011 da categoria foi previsto um acordo para o combate ao assédio moral que definiu canais de denúncia anônima via sindicatos. Na opinião do assessor da secretaria de Saúde do Trabalhador da CUT, Plínio Pavão, a eficácia deste instrumento depende muito da implementação e monitoramento em cada local de trabalho. Ele acredita que a existência de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) também é favorável para o combate ao assédio moral.

 

O tema também foi pauta da Convenção Coletiva 2013/204. Ela introduz uma cláusula que diz: “No monitoramento de resultados, os bancos não exporão publicamente, o ranking individual de seus empregados”. No mesmo artigo, define-se ser “vedada a cobrança de cumprimento de resultados por torpedos (SMS), pelo gestor, no telefone particular do empregado”.

 

Outro resultado desta negociação coletiva foi a criação de um “Grupo de Trabalho Bipartite – Análise dos Afastamentos do Trabalho”, que foi instalado em 7 de novembro de 2013. O grupo, composto por representantes dos trabalhadores e empregadores e médicos do trabalho, agora está começando a elaborar um diagnóstico profundo sobre os afastamentos dos trabalhadores bancários.

 

Juvandia espera que este projeto ajude a identificar as causas dos afastamentos e avançar no desenvolvimento de soluções e medidas preventivas. Ela enfatiza que esse debate é uma conquista da campanha salarial da greve de 2013.

 
Fonte: Repórter Brasil