Nas últimas três décadas, o andar de cima da sociedade brasileira apresentou importante transformação. Por força da inserção passiva e subordinada do país na globalização, patrocinada pela Era dos Fernandos (Collor, 1990-1992 e Cardoso, 1995-2002) e conduzida por grandes corporações transnacionais, a trajetória da industrialização nacional terminou sendo abandonada.
Nos discursos dos dois presidentes da República, portadores do receituário neoliberal da época (Consenso de Washington), a promessa de modernização nacional viria justamente com a abertura comercial, financeira e tecnológica. O que se viu, contudo, foi o contrário, com a crescente dependência tecnológica, dos investimentos estrangeiros e dos mercados externos para viabilizar as exportações primárias das mercadorias concentradas em recursos naturais e no custo do trabalho rebaixado.
Diante disso, a outrora pujante burguesia industrial a protagonizar o longo e intenso ciclo de expansão econômica entre as décadas de 1930 e 1980, terminou se acomodando à mediocridade preguiçosa da especulação e rentismo. Sua representação política e sindical se burocratizou e buscou sobreviver a partir dos fundos fiscais lastreados em subsídios, isenções e desonerações, quando não nos recursos fiscais do “Sistema S”.
O esvaziamento político e a perda da representação produtiva logo ficaram evidentes. Tanto assim que, no Congresso Nacional, a bancada patronal dominante é a da agropecuária, não obstante ser o setor de atividade econômica a contribuir com menos de 10% do Produto Interno Bruto.
A expressão disso deveu-se à metamorfose burguesa evidenciada por duas vias distintas, porém complementares entre si.
De um lado, a parcela que preferiu desfazer dos seus ativos produtivos para reproduzir sua riqueza a partir da especulação e de aplicações financeiras, descartando futuras gerações de qualquer relação com a produção manufatureira.
De outro, a parcela que seguiu no ramo dos negócios produtivos, porém como comerciante, não mais no exercício da função de industrial. Ou seja, na posição de substituição de produtos nacionais por importados, também em articulação com a dependência dos ganhos financeiros.
Exemplos disso não faltam, pois é o que os balanços das empresas recorrentemente têm apontado. Como no caso do grupo Globo, que registrou queda de mais de 30% no lucro líquido de 2018 (R$ 1,2 bilhão) para 2017 (R$ 1,8 bilhões). A redução não foi maior poque o maior grupo nacional de comunicação compensou com a elevação da receita financeira, que passou de cerca de um terço do lucro líquido no ano de 2017, para quase 80% em 2018.
Isso não tem sido algo isolado, mas sim um fenômeno da metamorfose burguesa. Diante disso, parece não haver melhor razão para explicar a adesão da burguesia ao rentismo, bem como a defesa de governantes que também se posicionam favoravelmente à especulação e ao saque do fundo público. A convergência empresarial em relação à sustentação arbitrária da ascensão de Temer, em 2016, e da ação favorável à candidatura de Bolsonarro, encontra explicação precisa nas políticas neoliberais de corte de gastos operacionais e liberação do rentismo.
Do conflito distributivo anterior verificado entre lucros e salários, o país transitou para o conflito distributivo no interior do fundo público. Sem perspectivas de retomada do crescimento econômico, as reformas neoliberais de Temer – e agora de Bolsonaro – voltam-se para o sustento do rentismo através do achaque das finanças públicas.
Nessa dinâmica, em que poucos ganham e muitos perdem, a metamorfose burguesa pode estar espelhando a perspectiva de “compra de tempo” frente ao horizonte de liquidação nacional.
Fonte: Rede Brasil Atual