O polêmico Projeto de Lei 4.330, de 2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), que permite ampliar a terceirização em todas as atividades empresariais, trata-se de uma reforma trabalhista e sindical, feita de maneira sorrateira. Essa é a conclusão dos participantes da audiência pública contra o PL, organizada na quarta-feira (30) pelos deputados estaduais Luiz Cláudio Marcolino e Beth Sahão (ambos do PT) na Assembleia Legislativa de São Paulo.
“Estão alterando a legislação do trabalho no Brasil com quinze artigos que nos iludem e quatro que destroem tudo o que já foi construído em termos de garantias para os trabalhadores”, afirma o diretor legislativo da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Fabrício Nogueira.
Não garantir os mesmos direitos entre contratados diretos e terceirizados, precarizar o trabalho, permitir a terceirização inclusive na atividade-fim da empresa estão entre os problemas apontados pelos críticos do PL 4330 – cuja tramitação no Congresso Nacional está interrompida informalmente, desde que as bancadas do PT, PCdoB, PSB e Psol se comprometeram a obstruir a votação, caso seja tentada.
De acordo com um estudo de 2011 da CUT e do Dieese, o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada semanal de três horas a mais e ganha 27% a menos. A cada dez acidentes de trabalho, oito ocorrem entre terceirizados.
“Descobrimos que alguns bancos são sócios de empresas terceirizadas (que prestam serviço para bancos). Ele contrata a empresa, legaliza a fraude, paga mais para o dono e o dinheiro volta para ele mesmo”, afirma a secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Raquel Kacelnickas. Para ela, a terceirização é vista como uma luta de classes e um instrumento usado para reduzir os custos com os empregados e aumentar a margem de lucro das empresas.
“O que estamos discutindo aqui é a luta do capital contra o trabalho. Esse projeto vai mudar o conceito de trabalho, vai transformar trabalhador em mercadoria e rasgar a CLT”, observa a secretária de relações de trabalho da CUT, Maria das Graças Costa.
Entre os pontos polêmicos que constituem o projeto do deputado, também empresário do setor alimentício, estão a representatividade sindical dos trabalhadores. De acordo com a juíza do trabalho Sandra Assali, da Anamatra, a lógica “perversa” do capital é entrar na luta fragmentando as categorias. “Isso é tática de guerra. Você separa os trabalhadores e com isso eles ficam muito mais vulneráveis. Quando o trabalhador ganha o conceito de categoria, ele ganha uma resistência a essa lógica.”
Para o presidente do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo, Rogério Giannini, se por um lado os trabalhadores têm conquistado nos últimos anos reajustes acima da inflação, aumento no salário mínimo e o Brasil cresce em uma série de questões sociais, do outro lado há esse risco de retrocesso: “Esse PL é contra o desenvolvimento do país, agride um dos pilares do desenvolvimento que é o aumento da massa salarial. Precisamos chamar a sociedade para discutir isso”.
“Inúmeros serviços públicos que recebemos feitos por terceirizados perdem a qualidade, não por culpa dos trabalhadores, mas por culpa da rotatividade, da falta de treinamento, dos baixos salários e das péssimas condições de trabalho. Fica impossível imaginar um serviço público de qualidade em que o lucro do intermediário da mão de obra está à frente da importância e da essência do serviço público”, observa a diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Ana Tércia Sanches, referindo-se aos serviços de telefonia, energia, abastecimento de água, entre outros, que muitas vezes já são executados por empregados contratados de empresas terceirizadas, conhecida como quarteirização.
Regulamentação
Para os especialistas, o problema não é a regulamentação da terceirização – pretexto do PL 4.330 -, mas a forma como está sendo proposta. A representante do Fórum Nacional Contra a Terceirização Marilane Teixeira destaca elementos essenciais que deve conter um projeto que proteja o trabalhador terceirizado.
“Há cinco pressupostos básicos de um PL mais protetor do trabalhador: proibição da terceirização na atividade-fim, garantia de responsabilidade solidária, isonomia salarial, prevalência do acordo coletivo mais favorável ao trabalhador e representação sindical por atividade econômica”, dia Marilane. Esses itens constam de um projeto elaborados em 2009 pelas centrais sindicais, que se apurada análise da Casa Civil, e de um outro do deputado Vicentinho (PT), em trâmite na Câmara dos Deputados.
“Esses projetos já foram encaminhados, a luta daqui para a frente é trazer o que queremos. Se conseguirmos ampliar e consolidar os direitos, com qualidade do trabalho, ganhamos esse debate”, afirma o deputado Luiz Cláudio Marcolino.
Durante a audiência na Assembleia Legislativa foi proposta a criação de um fórum estadual, com a participação de representantes das centrais, de movimentos sociais, da sociedade civil, além dos parlamentares. “Em duas ou três semanas conseguiremos vamos trabalhar para a indicação de participantes e criação desse fórum permanente, porque outras medidas como a do deputado Mabel podem surgir a qualquer momento”, afirma Beth Sahão.
Os parlamentares também analisam a criação de um projeto de lei estadual que dificulte o emprego de mão de obra por parte de governos e da iniciativa privada. “O estado deve abrir concurso público e não contratar mais empresas terceirizadas”, diz a deputada.
“Terceirização significa minimizar o papel do Estado frente às questões sociais. Na escola publica, elabora-se projeto pedagógico e na hora de prestar contas não será para coletivo da escola, mas para empresa que o contratou. Temos de avançar em política pública, exigir que o estado chame para si essa responsabilidade e ofereça serviços de qualidade”, afirma a presidenta do Sindicato dos Professores de São Paulo (Apeosp), Maria Izabel Noronha.
“Temos de pensar que herança queremos deixar para os trabalhadores. No México, um projeto semelhante foi aprovado em 2012 e hoje não há nenhum bancário no Banco BBVA, somente o diretor-executivo. Em um ano, todos os trabalhadores foram terceirizados”, afirma Deise Recoaro, secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Fonte: Rede Brasil Atual