Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três melhores leis de combate à violência contra a mulher do mundo e um marco no Brasil sobre o tema, a Lei Maria da Penha (nº 1.340/2006) completa 16 anos em 7 de agosto, porém continua distante de sua completa aplicação, seja por preceitos judiciários, seja pela falta de direcionamento de orçamento público para tal.
“Sancionada pelo então presidente Lula, a Lei Maria da Penha criou as medidas protetivas de urgência, fundamentais contra a violência”, explicou advogada Phamela Godoy, assessora jurídica da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). “A Lei prevê um conjunto de políticas públicas que vão desde a prevenção até punição de agressores por violência doméstica, conforme o previsto no Código Penal”, completou.
Entre as falhas na implementação da lei estão o número insuficiente de varas de violência doméstica em todo o Brasil, falta de ampla divulgação e conhecimento sobre a lei, além de orçamento insuficiente para as políticas previstas na lei. Isso explica por que, ainda hoje, mais de 90% das cidades não contam com uma delegacia especializada.
Apesar disso, mesmo que não completamente aplicada, dados do IPEA (2015) mostram que a Lei Maria da Penha diminuiu em cerca de 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos no país. Em outras palavras, se não existisse, o aumento de feminicídios, desde 2006, seria ainda mais significativo.
Contribuição da categoria bancária
Em agosto de 2021, a Contraf-CUT lançou nacionalmente o projeto “Basta! Não Irão Nos Calar!”, para a implementação de serviços e atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Dois anos antes, programa com o mesmo nome e objetivo já havia sido implantado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
“Temos que fazer a nossa parte. O governo desmontou praticamente tudo que tinha de avanço no combate à violência contra a mulher. Temos que lutar, resistir e transformar o que pudermos, porque vamos colher os frutos de um país melhor, mais feliz, mais justo. Temos a obrigação de fazer essa luta”, destacou a presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira.
O objetivo do “Basta!” é assessorar mulheres vítimas da violência doméstica. “Elas entram em contato com os canais disponibilizados pelos sindicatos e entidades filiadas à Contraf-CUT, e são orientadas como acessar a Justiça para romper o vínculo com o agressor e obter proteção. Portanto, o projeto é uma forma de contribuir para a aplicação da Lei Maria da Pena”, explicou ainda a secretária da Mulher da Contraf-CUT, Fernanda Lopes. “O resultado dos cortes promovidos pelo atual governo no orçamento de políticas públicas voltadas às mulheres pode ser visto em dados como os do Ministério Público do Trabalho, que mostram que até junho de 2022 alcançamos 63% do total de denúncias de assédio sexual feitas em todo o ano passado, números esses que já são altíssimos”, pontuou.
Atualmente, o “Basta!” conta com 10 canais para atender bancárias de todo o país. “As trabalhadoras que precisam de apoio contra a violência doméstica podem procurar seus sindicatos ou federações locais, onde serão acolhidas”, orientou Fernanda.
Histórico
Até a década de 80, o Brasil não tinha instrumentos jurídicos de proteção às mulheres contra violência de gênero. Foi em 1994 que ocorreu a primeira conquista legislativa neste âmbito, com a Lei nº 8.930, que estabeleceu o estupro e o atentado violento ao pudor como crimes hediondos, portanto de extrema gravidade, inafiançáveis.
A Lei Maria da Penha, em especial, foi fruto de articulação de movimentos sociais feministas e recebeu o nome em homenagem a Maria da Penha Fernandes, farmacêutica bioquímica brasileira que, em 1983 sofreu sérias agressões do então marido e professor universitário Marco Antônio Heredia Viveros, que a deixaram cadeirante pelo resto da vida.
Durante anos, Maria da Penha lutou por justiça, mas Viveros continuou em liberdade. Os advogados de defesa dele conseguiram anular o primeiro julgamento, no qual havia sido condenado a dez anos de reclusão.
Em 1998, com o auxílio das entidades CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), a bioquímica levou seu caso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 2001, em decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o estado Brasileiro por negligência e omissão no processo. Finalmente, acatando as recomendações da corte internacional, em 31 de outubro de 2002, a Justiça brasileira prendeu Marco Antônio Viveros.
A partir desse acontecimento, os movimentos sociais feministas iniciaram a mobilização para se criar a Lei Maria da Penha, até alcançarem o objetivo com a sansão do presidente Lula, em 7 de agosto de 2006.
“A tragédia pessoal de Maria da Penha virou símbolo da luta contra os maus-tratos físicos, psicológicos e morais sofridos por parcela significativa da população feminina brasileira, os quais revelam a prevalência, até hoje, dos piores aspectos da cultura patriarcal e machista em nossa sociedade”, declarou o então presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, na época da edição e publicação da lei. “Esses delitos (…) estimulam a persistência de comportamentos violentos; geram situações de desajuste para crianças e adolescentes; prejudicam sua educação e formação. Além disso, expõem a face mais perversa da desigualdade de gênero, ao afrontarem direitos elementares à dignidade, à saúde e à própria vida das pessoas agredidas”, completou.
Fonte: Contraf-CUT