Inexistente nos primeiros 40 anos do BNDES, o agronegócio não apenas cresceu de forma expressiva como no período mais recente superou em financiamentos a indústria, setor para o qual o banco foi imaginado, ainda nos anos 1950. Na década seguinte, por exemplo, mais de dois terços do financiamento do BNDES foi direcionado à área industrial. Em 2021, apenas 16%, enquanto o agro recebeu 26% do total.
Os dados constam de extensa reportagem do Arquivo S, da Agência Senado, relativa aos 70 anos do BNDES, completados agora. “Criado para destravar a indústria, o BNDES vem desde 2018 financiando mais o agronegócio do que o setor industrial”, diz o texto. Esse setor recebeu R$ 16 bilhões em 2019, por exemplo, enquanto os projetos da indústria tiveram R$ 9 bilhões. Dez anos antes, esses valores foram de R$ 7 bilhões e R$ 63,5 bilhões, respectivamente.
Pressão política
Não existe mais política industrial, afirma o professor Victor Leonardo de Araújo, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele observa ainda que o agro já conta com o Banco do Brasil (BB) como financiador.
“Primeiro, o agronegócio está fazendo uma forte pressão política sobre o poder público e conseguindo avançar sobre os recursos do banco. Segundo, o Brasil está passando por um processo agudo de desindustrialização, com fábricas fechando as portas e multinacionais indo embora. Isso não é bom porque não existe na história país que tenha se desenvolvido só com o agronegócio”, afirma o professor e economista. “A indústria contribui muito mais, seja pelo valor agregado dos produtos, pela inovação, pelos empregos. O agronegócio pode crescer, mas não em detrimento da indústria. O BNDES é um instrumento de indução do desenvolvimento econômico, mas nos últimos anos vem assistindo passivamente à desindustrialização do Brasil.”
História do desenvolvimento
O também professor Ivan Salomão, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), reforça. “Se a história do Brasil no século 20 tem a indústria como protagonista, a história da indústria brasileira tem o BNDES como protagonista. Não é exagero dizer que a indústria brasileira não conseguiria se desenvolver se tivesse que depender apenas de si mesma e não contasse com o apoio do Estado”, analisa. “É verdade que houve casos de self-made men, empresários que conseguiram crescer sozinhos, mas como regra o setor industrial brasileiro dependeu do BNDES e deve a ele o seu sucesso. Nestes 70 anos de atuação, o banco teve uma importância maiúscula na história do desenvolvimento brasileiro.”
A reportagem discute também o “S” da sigla do banco, que nasceu BNDE ao ser criado por Getúlio Vargas em 1952. A letra adicional veio apenas 30 anos depois, por decisão do então presidente João Figueiredo. Mas é questionada até hoje.
A letra “S”
“O entendimento do BNDES é que a função social existe porque os projetos financiados criam empregos. Esse argumento é utilizado como justificativa para o banco ser gestor de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador [FAT]. Só que essa é uma interpretação muito vaga”, diz o professor Araújo. “O que se espera de um banco social é que ele invista, por exemplo, em obras de infraestrutura urbana, como saneamento básico. Isso, porém, já é feito pela Caixa. Por essa razão, questiona-se se a área social deveria mesmo ser uma das finalidades do BNDES. De qualquer forma, são justas as críticas de que, na ação corriqueira do banco, o S da sigla acaba ficando subdimensionado”, acrescenta.
A subchefe de gabinete da presidência do BNDES, Fátima Farah, discorda. “O banco apoia fundos socioambientais, ensino técnico, formação continuada de professores, saneamento básico, geração de empregos. Na pandemia do coronavírus, o BNDES destinou recursos a cilindros de oxigênio enviados para Manaus e à produção da vacina pela Fundação Oswaldo Cruz.”
Os dados disponíveis apontam ainda crescimento da participação de empresas de menor porte. Em 1990, as grandes empresas representavam 93% dos financiamentos do banco. Em 2020, as médias, pequenas e microempresas já eram maioria, com 52,5% do total.