Com o fim da atual rodada do auxílio emergencial nesta sexta (29), amplia-se a pressão para que o governo Bolsonaro defina o destino do benefício pago à população de mais baixa renda. Voltada a trabalhadores informais afetados pela pandemia, a política deverá ser sucedida por um novo programa que irá substituir o Bolsa Família.
A ideia da gestão, que surge cerca de um ano antes das eleições de 2022, seria iniciar o novo benefício em novembro, mas a proposta ainda não foi oficialmente detalhada e está circundada de divergências.
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De um lado, o governo tateia possibilidades. Entre elas, está a edição de um decreto para instituir o novo programa, segundo antecipado na ultima terça (26) pelo site O Antagonista. O objetivo seria publicar a norma após a volta da Itália, para onde o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) viajou na quinta (28).
As informações divulgadas até agora pelo governo dão conta de que as parcelas terão valores 20% mais elevados que os do Bolsa Família, política lançada pelo PT no primeiro mandato do ex-presidente Lula (2003-2007) e que Bolsonaro tenta ofuscar em meio à disputa que polariza com o petista.
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Provável candidato à reeleição, o chefe do Executivo estaria em busca de dividendos eleitorais em troca da oferta do novo programa, que deverá atender 17 milhões de famílias, de acordo com o ministro da Cidadania, João Roma.
“Nós queremos que as pessoas tenham direito a um auxílio decente e permanente, mas a gente tem que saber que a motivação do Bolsonaro é apenas eleitoreira, que não tira a necessidade de se ter um auxílio permanente, mas esse projeto nem está claro como se vai financiar”, ressalta a deputada Fernanda Melchiona (RS), vice-líder da bancada do Psol na Câmara, ao mencionar a disputa em torno da chamada “PEC dos Precatórios” (PEC 23).
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O governo tenta avançar com esta última sob o discurso de que, ao parcelar os precatórios – dívidas adquiridas pelo Estado a partir de causas definitivamente perdidas na Justiça –, o Executivo poderia modificar o cálculo do Teto de Gastos e abrir uma folga fiscal de R$ 44 bilhões para liberar verbas de custeio para o Auxílio Brasil.
A gestão vinha projetando parcelas no valor de R$ 400 a serem pagas até o final de 2022. As limitações impostas pelo ajuste fiscal em vigor no país fariam com que R$ 100 desse total extrapolassem o teto. A intenção custou ao governo duras críticas. Há resistência à medida tanto dentro da direita liberal quanto na oposição.
“Bolsonaro tenta como fonte de financiamento fazer uma PEC do calote e junto embutir mais emendas pro centrão, que está sempre querendo dinheiro. Nós defendemos que se extinga o Teto de Gastos, evidentemente. Estamos falando isso há muito tempo, mas é possível financiar um programa social taxando as grandes fortunas, por exemplo”, aponta Melchiona, ao mencionar a proposta desenhada no Projeto de Lei (PL) 3934, apresentado pela bancada do Psol no ano passado.
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Lentidão e duração
Diferentes atores também se queixam da demora do governo em anunciar os rumos da política social de atendimento à população que mais se prejudicou diante dos estragos da crise sanitária. Com o agravamento da crise socioeconômica, a alta do desemprego e da inflação, o mundo político acusa o governo de inoperância diante da gravidade da situação e chama a atenção também para outros fatores.
Entre eles, estão a falta de credibilidade do país diante de investidores e o limbo em que ficam jogados os trabalhadores que dependem do auxílio para garantir uma manutenção mínima de suas necessidades básicas.
Segundo pesquisas, pelo menos 19 milhões de pessoas estão em situação de fome no Brasil/ Foto: Roberto Parizotti
“Essa demora toda é porque ele não quer ajudar os pobres. Se tivesse interesse, já teria apresentado o programa, mas, ao não apresentar em tempo hábil, mostra dois aspectos: o primeiro é que ele não quer, que é o principal, e o segundo é que ele não tem capacidade. É uma desestruturação total do governo, que é consequência da primeira característica”, critica o líder da bancada do PT na Câmara, Bohn Gass (RS).
O parlamentar lembra a preocupação da gestão com a queda na popularidade de Bolsonaro, que tenta sedimentar o caminho rumo a um segundo mandato. “Ele está apertado agora querendo votar os precatórios porque a eleição está batendo à porta dele e também porque os índices de aprovação popular do governo estão muito baixos”.
Uma pesquisa divulgada quinta-feira (28) pelo PoderData, plataforma ligada ao portal Poder 360, mostrou que o ex-capitão hoje é desaprovado por 58% da população.
“Ele está tentando melhorar os índices, aí vê que tem que ajudar os pobres, mas não quer e coloca um fim para o programa, que é o ano que vem, como se política pública para o pobre só se pudesse ter em época de eleição. A pessoa sai do programa quando ela passa a ter sua renda, e não quando bate a urna. Sob todos os aspectos o Bolsonaro está errado”, alfineta Bohn Gass.
O posicionamento tem ressonância também entre o PCdoB, cuja bancada vê com maus olhos a ideia de extinção do Bolsa Família e a duração da nova política que vem sendo anunciada pelo governo.
“É bom deixar claro que, em nome de uma campanha eleitoral, Bolsonaro acaba com um programa permanente que já dura mais de 18 anos. Nenhum governo até hoje teve coragem de acabar com o Bolsa Família e dificilmente algum governo futuro teria essa coragem. É muito preocupante e é muita maldade com os pobres de quem faz um negócio desses”, diz Perpétua Almeida (PCdoB-AC), uma das vice-líderes da oposição.
O segmento – que reúne principalmente PT, PDT, PSB, Psol, PCdoB e Rede –, também entoa o coro por um auxílio de R$ 500, R$ 200 a mais do que o governo tem projetado para o novo programa. A proposta vem sendo publicamente defendida inclusive por Lula (PT), que recentemente desafiou Bolsonaro nas redes sociais a subir o benefício para R$ 600.
Paralelamente, o Congresso Nacional deverá analisar e votar a Medida Provisória (MP) 1061/2021, assinada por Bolsonaro em agosto, que revoga o Bolsa Família a partir de novembro e institui o Auxílio Brasil.
A controvérsia em torno do assunto se expressa, por exemplo, no número de emendas (sugestões de alteração) apresentadas à MP. Já foram 461 até agora, segundo o sistema do Congresso. Um levantamento feito pelo Poder360 e divulgado na última terça (26) aponta que o número é maior que 95% das MPs que já tiveram tramitação encerrada durante a gestão Bolsonaro.
Apesar das divergências sobre o conteúdo da proposta e dos maus lençóis em que o governo se meteu na economia, a oposição sabe que não há atualmente, no Congresso, terreno político favorável à aprovação de um benefício no valor de R$ 600. A ordem entre o grupo, no entanto, é não sucumbir às dificuldades do cenário de articulação no Legislativo.
“Nós vamos continuar insistindo contra a PEC dos Precatórios, não vamos concordar com esse calote e seguiremos batalhando por um auxílio mais justo para os trabalhadores”, diz Bohn Gass.
Fonte: Brasil de Fato