A deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR), defende no Congresso um projeto para que o Sistema Único de Saúde (SUS) mantenha a estrutura emergencial criada para o atendimento de pacientes com covid-19. Apesar da eficácia da vacinação, com redução no número de internações, permanece o receio de que leitos e ambulatórios abertos durante a pandemia sejam precocemente desmontados. Isso porque o surto provocou grande represamento da demanda de pacientes que deixaram de buscar assistência desde março do ano passado. O projeto de lei 3.468/21, de autoria da parlamentar, busca sanar este déficit. “Com praticamente todos os leitos voltados para combater o coronavírus, a realização de cirurgias eletivas, de fundamental importância para a manutenção da saúde de muitas pessoas, ficou comprometida”, afirma Gleisi em seu PL.
Os números da demanda represada comprovam a necessidade apontada pela parlamentar. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), cerca de 30 milhões de procedimentos médicos ambulatoriais do SUS deixaram de ser realizados no período. O órgão informa que “restrições de acesso aos hospitais, contingenciamento de leitos para o tratamento da covid-19 e o medo de pacientes em procurar ajuda médica em função do risco de contaminação provocaram a queda”.
Uma comparação entre o volume de atendimentos médicos – entre exames com finalidade diagnóstica, procedimentos clínicos, cirurgias ambulatoriais, além de transplantes de órgãos, tecidos e células – entre março e dezembro de 2020 e o mesmo período do ano anterior, revela o represamento. “Por exemplo, os procedimentos realizados por oftalmologistas, sobretudo consultas e exames de mapeamento de retina e aferição da pressão intraocular (tonometria), caíram de 18,5 milhões em 2019 (março a dezembro) para 12,2 milhões. Um déficit de pelo menos 6,3 milhões (-34%) entre os períodos analisados”, informa a entidade.
Mais números
Dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do Ministério da Saúde dão conta de que a queda em procedimentos com finalidade diagnóstica foi de 20% em 2020, em comparação a 2019. Percentual que deve se repetir em 2021. Procedimentos essenciais para o atendimento à saúde da população, como tomografias, mamografias e cirurgias de praticamente todas as especialidades médicas. “Os procedimentos não realizados por causa da pandemia ampliaram ainda mais a fila de cirurgias do SUS, já extensa antes da pandemia”, relata Gleisi.
Uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e pela Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) em março deste ano apontou que 43% dos entrevistados reduziram a busca por consultas médicas durante a pandemia. “O descuido com a saúde aumentou durante o período de pandemia, tanto na prevenção com idas ao médico para acompanhamento das doenças e prevenção pelos exames laboratoriais, como pelos cuidados com uma vida mais saudável”, aponta a revista especializada Medicina S/A.
Reflexos
Apenas 2% das pessoas aumentaram a frequência junto a unidades hospitalares, sejam privadas ou da estrutura do SUS, segundo a publicação, levadas por: ansiedade agravamento de diabetes e acompanhamento de exames, entre outras motivações. A pesquisa também detectou que 58% dos entrevistados decidiram adiar a realização de exames laboratoriais, especialmente exames de sangue, mamografias, preventivo de colo de útero e eletrocardiograma.
“O reflexo da covid-19 na saúde dos brasileiros será sentido ao longo dos próximos anos, pois a prevenção foi deixada de lado, e causará um impacto inevitável, principalmente no caso das doenças crônicas que necessitam de constante monitoramento”, afirma o presidente executivo da CBDL, Carlos Eduardo Gouvêa.
“A gente vê a propaganda oficial comemorando o número de pessoas recuperadas. Mas o fato de a gente ter tantas pessoas recuperadas foi porque essas pessoas adoeceram. Não tem como a gente não citar todas as consequências das pessoas que tiveram covid nesse período” , afirma o médico de família e comunidade Aristóteles Cardona, em entrevista para o Brasil de Fato.
Verbas
Alguns estados já tocam com urgência políticas públicas para ampliar a realização de exames e consultas. É o caso do Maranhão. “Estamos atuando em regime de mutirão, para compensar as perdas que tivemos na pandemia. Sabemos do represamento, que é grande, de consultas, exames e cirurgias e estamos voltando à normalidade do sistema de saúde, em regime de mutirão”, afirma o secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula. A administração do governador Flavio Dino (PSB) disponibilizou, inicialmente, 14 tendas e cinco consultórios para realização de procedimentos oftalmológicos. A ideia é expandir durante este fim de ano.
Para a realização de ações como esta, o modelo de saúde pública brasileiro prevê a necessidade de verbas emergenciais do governo federal. Este é outro ponto central da proposta de Gleisi.
“O projeto prevê o incentivo do Ministério da Saúde aos estados e municípios, para o financiamento de ações como mutirões para a realização de exames de diagnóstico e de cirurgias eletivas, a fim de ampliar o acesso da população a esses procedimentos, possibilitando maior qualidade de vida a essas pessoas. que estão há muito tempo à espera da realização do seu tratamento.”