O Brasil está atrasado em relação à vacinação contra a covid-19. Interferência política e negacionismo por parte do governo de Jair Bolsonaro, atrapalham os avanços da imunização no país. A sentença é do epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana. Ele compara a situação brasileira à de países como Inglaterra e Rússia, que já estão em pleno processo de vacinação em massa, além de outros que já instituíram um planejamento concreto para a proteção de suas populações. Caso de Alemanha, França, Espanha e a vizinha Argentina, entre outros.
“A ciência finalmente parece ter encontrado uma solução satisfatória para o enfrentamento efetivo da pandemia de covid-19, embora saibamos que estamos um pouco distantes do fim dessa tragédia. No entanto, o Brasil segue afundado na primeira onda da covid-19, a qual não parece ter data para acabar“, disse à RBA.
Enquanto a Europa mostrou eficiência no controle de uma segunda onda de covid-19 que atingiu o continente nos últimos meses, o Brasil sequer conseguiu deixar a primeira. Já são 178.159 mortos e 6.674.999 infectados desde o início da pandemia, em março. Nas últimas 24 horas, foram 842 vítimas e 51.088 contaminados. As informações são do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em boletim divulgado no início da noite de hoje (8). O Brasil vive um momento de crescimento da epidemia, enquanto não avança na elaboração de planos para a vacinação.
Jesem lembra que o país testa muito pouco e comete o crime de desperdiçar exames já comprados. Isso provoca ampla subnotificação. São mais de 70 mil mortos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) não especificadas neste ano. Muitas delas possivelmente causadas por covid-19. “O pesadelo está se prolongando e infectando brasileiros aos milhões; causando adoecimento grave de outras dezenas de milhares; deixando sequelas neurológicas, psicológicas, cardíacas, respiratórias, sociais, econômicas, de ensino-aprendizagem em milhões de estudantes; e, o pior, já matou mais de 200 mil brasileiros, entre mortes diretas e indiretas”, alerta.
As vacinas
O governo federal segue em sua postura adotada durante toda a pandemia. Nega a gravidade da maior crise sanitária da humanidade em mais de 100 anos e rejeita a ciência. Bolsonaro, pessoalmente, chega a fazer campanha contra vacinas e afirma que não vai tomar. Os ataques são mais agressivos contra a CoronaVac, vacina em elaboração pelo Instituto Butantã, em São Paulo, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
Embora ainda falte a conclusão do estudo final de eficácia (previsto para o dia 15), o grande problema apontado é a necessidade de aprovação da CoronaVac pela Anvisa. Questiona-se se órgão, ligado ao governo federal, pode dificultar a liberação do imunizante. Governadores e prefeitos, além da oposição no Legislativo, já se organizam para forçar o governo a não causar problemas.
Brasil às escuras
Jesem Orellana vê a situação brasileira como “muito preocupante”. Tanto em relação à morosidade do processo de vacinação, como no avanço da pandemia que volta a apresentar acentuada curva de crescimento de casos e mortes.
Ainda sobre o processo de imunização, Jesem argumenta que “a esta altura do campeonato, deveríamos estar com a Anvisa profundamente envolvida no acompanhamento contínuo de ao menos três vacinas atualmente em processos finais de desenvolvimento e muito próxima de anunciar o registro emergencial de ao menos uma. Ninguém tem o direito, neste momento tão crítico, de esperar tanto pela vacina ideal ou pelo resultado ideal, especialmente com uma média móvel de óbitos se aproximando dos mil novamente”.
O cientista afirma à RBA que seria adequado um processo de planejamento para a vacinação, e lamenta o descaso com o eficiente e histórico programa de imunização brasileiro. “Esta desarticulação nacional ameaça o atualmente Programa Nacional de Imunizações (PNI), o mesmo que por décadas foi considerado um dos melhores do planeta e, sem dúvida, apesar de tudo, ainda é um dos principais alicerces do também fragilizado e indispensável Sistema Único de Saúde (SUS).”
Leia a íntegra do comunicado de Jesem, enviado com exclusividade à RBA:
O BRASIL SEGUE ÀS ESCURAS EM PLENA PANDEMIA
A ciência finalmente parece ter encontrado uma solução satisfatória para o enfrentamento efetivo da pandemia de COVID-19, embora saibamos que estamos um pouco distantes do fim dessa tragédia. A Rússia, por exemplo, diz ter vacinado 100 mil cidadãos com a Sputinik-V e, amanhã, o Reino Unido dará início a um complexo e desafiador processo de vacinação em massa com a promissora vacina da Pfizer/BioNTech. A vizinha Argentina prometeu vacinar até 300 mil com a Sputinik-V, ainda em 2020.
Não custa lembrar que há consideráveis evidências sugerindo que ambas as vacinas são mais eficazes que a da AstraZeneca, a mesma que foi precocemente adquirida pelo Governo Brasileiro. Além disso, entre as vacinas em fase avançada de avaliação nos ensaios clínicos de Fase III, há duas outras fortes candidatas, a da Moderna e a CoronaVac.
No entanto, o Brasil segue afundado na primeira onda da COVID-19, a qual não parece ter data para acabar. Ao contrário, o pesadelo está se prolongando e infectando brasileiros aos milhões; causando adoecimento grave de outras dezenas de milhares; deixando sequelas neurológicas, psicológicas, cardíacas, respiratórias, sociais, econômicas, de ensino-aprendizagem em milhões de estudantes; e, o pior, já matou mais de 200 mil brasileiros, entre mortes diretas (confirmadas por COVID-19) e indiretas (mortes por causa cardiovascular – devido ao caos sanitário provocado pela pandemia).
Seguimos enxugando gelo, com uma estratégia de vigilância diagnóstica e laboratorial que jamais deslanchou, devido a falhas graves de planejamento no nível federal e ao baixo investimento financeiro, com efeito cascata para estados e municípios. Prova disso é a quantidade inaceitável dos milhões de testes que seguem estocados ou sem uso oportuno, em um país mundialmente conhecido por testar pouco. Não é por acaso que temos mais de 70 mil mortes por Síndrome Respiratória Aguda não especificada no Brasil.
Enquanto isso, a solução que tem sido dada em estados e municípios é priorizar a abertura de mais leitos clínicos e de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na rede hospitalar, mesmo sabendo que em torno de 60 de cada 100 pacientes intubados em UTI e com COVID-19 vão a óbito.
“Mas, e daí? É só uma gripezinha… Todo mundo um dia vai morrer!” Essa é a forma como o líder do executivo, Jair Bolsonaro, vê o problema. Faz desdém da pandemia e aprofunda um patológico desgaste com o Legislativo nacional, com o Supremo Tribunal Federal e com tantos outros Prefeitos e Governadores do Brasil, em especial João Dória do estado de São Paulo. Este, por sua vez, aproveita a falta de comando nacional para declarar seu próprio calendário de vacinação e lucrar politicamente, incluindo um populismo sanitário que promete vacinar qualquer brasileiro que não comprove residência na região.
Esta desarticulação nacional ameaça o Programa Nacional de Imunizações (PNI), o mesmo que por décadas foi considerado um dos melhores do planeta e, sem dúvida, apesar de tudo, ainda é um dos principais alicerces do também fragilizado e indispensável Sistema Único de Saúde (SUS).
A esta altura do campeonato, deveríamos estar com a ANVISA profundamente envolvida no acompanhamento contínuo de ao menos 3 vacinas candidatas e muito próxima de anunciar o registro emergencial de ao menos uma. Ninguém tem o direito, neste momento tão crítico, de esperar tanto pela vacina ideal ou pelo resultado ideal, especialmente com uma média móvel de óbitos se aproximando dos mil novamente.
Deveríamos estar, pelo menos, com uma vacina emergencialmente registrada, ainda que precisasse de refrigeração a -70º C ou -20º, pois poderíamos estar vacinando trabalhadores de saúde de pontos estratégicos em regiões metropolitanas, por exemplo. Poderíamos sim aceitar o registro emergencial de vacinas como a Sputinik-V ou a CoronaVac, que aliás são mais apropriadas para a rede de frio nacional e casa com parte da experiência que o PNI já possui.
Poderíamos estar projetando diferentes cenários de operacionalização da logística e da operacionalização da campanha nacional de imunização, bem como de treinamento/recrutamento de trabalhadores de saúde e ampliando o número e o conceito de “sala de vacinação” (poderíamos fazer postos volantes/móveis), em articulação com estados e municípios, seja por terra, água ou ar. Enfim, a campanha em prol da vacinação contra a COVID-19 nas redes sociais, na televisão e rádio já deveria ter começado, bem como o cadastramento dos primeiros candidatos a serem imunizados e tantas outras estratégias fundamentais.
Mas, nada disso foi feito ainda, seguimos às escuras e, mais uma vez, atrasados devido a repetidas e inaceitáveis ingerências, com uma epidemia que voltou a se agravar com o relaxamento/cansaço da população, período eleitoral e agora com o agitado comércio de dezembro e as festas de fim de ano. Infelizmente, podemos ter nosso primeiro janeiro das lamentações, ao invés do descanso e relaxamento típico para a maioria, já que estamos sujeitos a passarmos o mês de janeiro lembrando os mortos do primeiro semestre ou os do segundo, número que tende a aumentar por estes dias!
Ultrapassamos todos os limites da irresponsabilidade e da ingerência. Está na hora de uma mudança drástica na condução da epidemia de COVID-19. O Brasil, um país tão rico, recursivo e com um povo tão cheio de vida, não pode seguir à deriva e sendo literalmente exterminado por seus governantes!
Fonte: Rede Brasil Atual