Novembro 27, 2024
Slider

Se o teletrabalho veio para ficar, novo cenário exigirá uma regulação negociada

Estudos sobre teletrabalho e home office apontam ambiguidades. Vantagens e desvantagens são dois lados da mesma moeda. A “nova” modalidade de trabalho deve ser ainda normatizada e dialogar com todas as partes envolvidas, apresentando medidas que protejam os trabalhadores e as próprias empresas. A partir do momento que a covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia governos e empresas, de forma abrupta, passaram a adotar o trabalho em home office como medida de prevenção à disseminação do vírus. Milhões de trabalhadores migraram do trabalho presencial – situado nas empresas ou órgãos administrativos do governo – para o trabalho remoto – o teletrabalho, nesse caso situado nas residências dos próprios trabalhadores.
O IBGE divulgou uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Covid-19), em junho de 2020, que apurou a existência de 8,9 milhões de pessoas em home office. O Banco Mundial aponta para uma profunda recessão econômica no cenário pós covid-19, ainda mais impactante do que aquela decorrente da Segunda Guerra Mundial. Na mesma direção segue a análise da OIT. O relatório How Covid-19 is Changing the World: A Statistical Perspective, emitido pelo Comitê Coordenador de Atividades Estatísticas (CCSA), aponta que para enfrentar tal crise de grandes proporções os governos de vários países devem adotar políticas públicas para tentar proteger empresas, empregados e demais populações vulneráveis. No escopo de medidas para enfrentar a pandemia no Brasil, o tema do teletrabalho foi abordado e sua expansão foi autorizada, sem necessidade de haver acordo validado entre as partes.
 
O fenômeno do teletrabalho
 
O teletrabalho é um conceito mais abrangente, que compreende no seu interior a modalidade home office. A pandemia possibilitou o crescimento em progressão geométrica, em um curto espaço de tempo, do home office que já era praticado por diversas empresas, mas restrito a pequenos grupos e determinadas funções. Diversas análises apontam que o home office deverá ser uma tendência que se consolidará e se expandirá mesmo quando atingida a “normalidade econômica”.
As experiências de teletrabalho ou home office existentes antes da pandemia refletiam a busca das empresas em reduzir custos e obter maior produtividade. Paralelo a isso, foram percebidos interesses dos próprios trabalhadores, como é o caso do ganho de tempo e diminuição de estresse com o deslocamento, flexibilidade espacial e temporal com possibilidade de conciliar com mais facilidade (ou não) vida pessoal e trabalho. Outros aspectos sociais, com impacto mais geral, também foram destacados: a diminuição da poluição nas grandes cidades e a perspectiva de aumentar a participação e inclusão de alguns grupos no mercado de trabalho, como os mais velhos, mulheres com crianças pequenas e pessoas com deficiência.
Um estudo da OIT concluído em 2019 apresentou que países mais desenvolvidos economicamente adotavam com maior frequência o teletrabalho. As ocupações vinculadas a profissionais especialistas e de gerenciamento eram as predominantes. Quanto à variável gênero, observou-se maioria de homens, considerando nessa circunstância a utilização de mais espaços além da própria casa para sua realização. Contudo, as mulheres, também presentes nessa modalidade, realizavam menos horas de teletrabalho e eram maioria quando executam tarefas mais regulares ou padronizadas em suas residências. Esse fato aponta a tendência histórica conciliadora do trabalho feminino: que desempenha de maneira sobreposta as tarefas relacionadas ao trabalho remunerado e os cuidados da casa e da família.
 
Ambiguidades do teletrabalho
 
Sobre os impactos do teletrabalho o estudo revela que os trabalhadores, sobretudo aqueles que possuem maior flexibilidade e mobilidade, em que pese terem maior autonomia do manejo de seu tempo e local de trabalho, são expostos a maiores jornadas, utilizando noites e finais de semana para cumprir suas atividades, comparando-os com aqueles que atuam apenas nas dependências do empregador.
As ambiguidades relacionadas ao home office são marcadas pelas vantagens da flexibilidade e manejo das horas despendidas ao trabalho, com a dificuldade de conciliar trabalho remunerado com vida pessoal. Também a percepção dos efeitos relacionados à saúde e bem-estar dos trabalhadores é dúbia. Ressaltou-se como negativo nesse tema os problemas ergonômicos e os riscos psicossociais relacionados à intensidade do trabalho, considerando o volume e ritmo de trabalho, gerando maior estresse e dificuldades no sono. Positivamente, registrou-se que a flexibilidade espacial e temporal, ao permitir a eliminação do tempo de deslocamento e do desgaste a ele relacionado, pode proporcionar mais saúde e qualidade de vida.
Outros efeitos positivos destacados pelo estudo, sobretudo para empresas, apontam os ganhos de produtividade, economia de espaço no escritório e indicam que as condições mais restritas levam a maior foco dos trabalhadores, pois estes não são interrompidos em sua rotina.
 
Potencial do teletrabalho
 
As economias de baixa renda têm uma parcela menor de trabalhos que podem ser realizados remotamente. O Brasil apresenta, conforme estudo desenvolvido pelo Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o potencial de 20,8 milhões de pessoas que podem atuar nessas condições, correspondendo a 22,7% de trabalhos que podem ser realizados em casa. Enquanto outros países, como Luxemburgo, atingem um potencial de 53,4%.
No estudo estadunidense de Dingel e Neiman, elaborado durante a pandemia, foram observadas diferenças consideráveis a depender do tipo de atividade econômica. Os serviços de hospedagem e alimentação ou ainda aquelas atividades ligadas ao setor primário da economia como agricultura, silvicultura, pesca e caça possuem baixo potencial de realizar trabalhos a partir da casa dos trabalhadores. Em sentido oposto, as atividades educacionais aparecem entre aquelas que têm mais aderência ao teletrabalho na pandemia, em nível muito semelhante aos serviços profissionais, científicos e técnicos. Demais setores ainda mantêm uma margem muito próxima como estão de empresas e empreendimentos, finanças e seguros e os serviços ligados à informação.
 
Pandemia, gestão de crise e pós-pandemia
 
A realização de testes para detectar e rastrear o contágio da covid-19 é uma forma de diminuir a perda de horas trabalhadas e reincorporar as pessoas às atividades econômicas com responsabilidade. Conforme estima o Observatório da OIT, nos países onde foram aplicadas tais medidas houve redução de até 50% do número de horas perdidas.
Ainda, segundo a OIT, os recursos financeiros necessários para realizar os testes para covid-19 e a utilização das informações disponíveis para controlar a crise são muito inferiores se comparados com os custos da repercussão econômica total que a pandemia pode causar.
Soma-se a esta perspectiva a justificativa de que tais medidas levam a criação de novas ocupações, ainda que temporárias, podendo incorporar os jovens, um dos grupos mais atingidos pelo desemprego e pela interrupção das atividades educativas e de formação. Esse imbricado de situações reduzirá o custo da pandemia no plano social.
As perspectivas de ampliação da modalidade home office, nos pós pandemia, fortalecem a necessidade de haver regulamentação negociada visando estimular os efeitos positivos e reduzir os efeitos negativos, sobretudo, a considerar o cenário de crise econômica que o país estará inserido.
As novas formas de trabalho devem ser submetidas ao debate público. Atores sociais importantes como sindicatos, associações de trabalhadores, Ministério Público do Trabalho e especialistas em saúde do trabalho devem ser ouvidos fortalecendo o diálogo social.
 

• Confira artigos da série Desenvolvimento em Foco


Ana Tercia Sanches é doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professora e pesquisadora da Faculdade 28 de Agosto. Diretora da Federação dos Bancários (Fetec-SP). É autora do livro Trabalho Bancário: Inovações Tecnológicas, Intensificação de Controles e Gestão por Resultados (Editora Annablume) e Pesquisadora Convidada do Observatório de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).

 

Fonte: Rede Brasil Atual