Na terça-feira (31/3), o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, voltou aos noticiários após declarar, em entrevista à Folha de S.Paulo, que “a ciência médica é tão ou mais imprecisa que a ciência econômica”.
A frase foi dita em resposta à pergunta se a resistência do presidente da República, Jair Bolsonaro, às determinações do Ministério da Saúde e a fatos científicos no tratamento do coronavírus comprometeria a credibilidade do Brasil no cenário mundial.
Novaes vem se posicionamento contra o chamado lockdown (termo inglês para aplicação de um protocolo de emergência que impede que as pessoas saiam de suas áreas). No Brasil, alguns governadores e prefeitos estão tomando medidas de isolamento, entre cidades e estados, para conter a propagação da COVID-19.
O médico e professor Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, disse que ficou “estarrecido” com a declaração de Novaes.
“Ele faz um comentário genérico sobre ciências médicas, como se isso fosse algo homogêneo”, pontuou. “O que está em jogo, no caso da COVID-19, é com que velocidade surgirão novos casos, a ponto de, eventualmente, produzir um colapso no serviço de saúde, principalmente, na assistência médica mais complexa, que exige UTIs, ventiladores mecânicos e uma série de medicamentos e de infraestrutura que não são triviais, não são medidas rápidas de serem implementadas e não estão disponíveis em grande quantidade no país”, explicou.
Ferreira destacou que existem muitos trabalhos de modelagem matemática prevendo com que velocidade, em diferentes cenários de intervenção, a epidemia pelo coronavírus vai atingir um ponto em que os países não terão mais condições de cuidar dos seus doentes. Esse, aliás, é o atual drama na Itália e Espanha. Os dois países demoraram na imposição do lockdown. Na semana passada, em apenas um dia, a Itália registrou mais de 1.700 mortos e a Espanha 838.
“O que sabemos, até agora, é que, claramente, se não forem tomadas medidas bastante restritivas, daqui a menos de um mês, simplesmente não haverá condições de prestar uma assistência médica, minimamente aceitável, para nossos doentes aqui no Brasil”, alertou.
“Um grande colapso do sistema de saúde com prejuízos de vidas, além do custo inaceitável que tem do ponto de vista social e humanitário, tem um impacto econômico assustador no país”, arrematou o médico. Completando: “Quando a gente pensa na quantidade de profissionais da área de saúde que está sendo infectada e, eventualmente, um número não pequeno, em casos graves, começando a perder vidas, isso é uma perda de capital humano impressionante. Vamos lembrar que o Brasil é um país onde ainda temos dificuldades de acesso à educação e formação profissional”.
O economista Caio Momesso, formado pela Unicamp e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV-EAESP, também considerou as declarações de Rubem Novaes desastrosas, especialmente uma vazada, na semana passada, de um grupo no WhatsApp, onde o presidente do BB afirmou que a vida não tem “valor infinito”.
“É muito preocupante ver algumas autoridades, num momento em que mais precisamos da liderança delas, colocar uma falsa dicotomia entre economia e coronavírus”, observou.
“Nos últimos dias, várias pessoas estão se mobilizando, inclusive na economia, de diferentes matrizes de pensamento, conseguindo convergir para fazer propostas aos governadores. Essa convergência só é possível se a gente tem um chão ético mínimo para dialogar, algo que já é presente no campo da ciência”, destacou.
“Não fazer nada [contra o aumento de casos no Brasil] não evitará que a economia entre em colapso. O vírus é um fator externo, com impactos econômicos no mundo inteiro”, destacou. “[A fala mais recente], do presidente do Banco do Brasil, segue o mesmo discurso da dicotomia usada por Bolsonaro na guerra contra governadores e prefeitos”, completa.
Momesso avalia que, mais adiante, por causa desse tensionamento político, o governo federal poderá culpa outras lideranças políticas pela crise econômica. Sobre como mitigar os efeitos da crise financeira causada pelo coronavírus, o economista ressalta que existem propostas sendo discutidas em várias frentes.
“Um avanço é a renda básica aprovada no Congresso. É importante pensar, principalmente, nas pessoas e empresas mais vulneráveis, que não têm recurso de caixa. Outras propostas são a suspensão de cobranças, aplicação de juros só de rolagem, para que as dívidas não aumentem. Nesse sentido, a atuação dos bancos públicos é fundamental. Também precisamos pensar em maneiras de garantir a segurança alimentar. Por exemplo, como lidar com a logística de distribuição de alimentos, aos mais vulneráveis, no momento em que boa parte precisa se manter isolada?”, pontuou.
O debate sobre a criação da renda básica partiu da proposta apresentada pelas Centrais Sindicais ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que propuseram uma renda mínima de meio salário mínimo por pessoa, e articularam com setores empresariais e partidos políticos. O governo queria que o auxílio fosse de apenas R$ 200. Somente por causa da pressão da Central Única dos Trabalhadores (CUT), das demais centrais sindicais e de parlamentares de esquerda, o valor foi aumentado para R$ 600,00, podendo chegar a R$ 1.200,00 por família.
Juvandia Moreira, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), destacou o papel das centrais sindicais, que apresentaram uma proposta de renda básica para o presidente da Câmara dos Deputados e articularam com setores empresariais e partidos políticos. “É isso que muitos países estão fazendo, garantindo renda e mandando o povo ficar em casa para controlar o contágio, enquanto buscam soluções para o atendimento da rede de saúde, testam remédios, desenvolvem vacinas”, disse.
Texto: Lilian Milena, com edições da Contraf-CUT
Fonte: Contraf-CUT