Os veículos da imprensa tradicional ofereceram apoio decisivo à aprovação da “reforma” da Previdência, que restringe o acesso dos trabalhadores às aposentadorias. Principal medida econômica do governo Bolsonaro, a proposta está em tramitação no Senado.
Estudo elaborado pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a ser divulgado nesta quinta-feira (12), revela que os principais jornais impressos e televisivos do país utilizaram-se de seus editoriais e da escolha de especialistas para silenciar opiniões contrárias. Assim, criaram artificialmente a impressão de que haveria “consenso” sobre a proposta.
O Intervozes analisou as edições impressas dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo publicadas no período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2019. Nessas publicações, 64% dos especialistas posicionaram-se favoravelmente à “reforma” da Previdência; 8,5% foram parcialmente contrários (mesmo índice daqueles cujo posicionamento não foi possível identificar) e 19% manifestaram-se contrariamente à proposta. Os três maiores jornais impressos do país também deram, juntos, 267 editoriais majoritariamente favoráveis à dita “reforma”.
Segundo o jornalista Rodolfo Vianna, um dos autores do estudo, os que apresentaram argumentos contrários focaram sobretudo na insatisfação com aspectos jurídicos específicos que poderiam ser identificados como inconstitucionais e na não inclusão dos militares no projeto. Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual desta quinta-feira (12), Vianna diz que esse “falso consenso” criado prejudica o debate junto à opinião pública sobre um projeto que modifica a vida da maioria da população.
Na TV a hegemonia da opinião foi ainda maior. Foram analisadas quatro semanas específicas de edições dos telejornais Jornal Nacional (Rede Globo), Jornal da Record (Rede Record) e SBT Brasil (SBT), relativas a datas importantes da tramitação do projeto no Congresso Nacional: quando a “reforma” foi apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara dos Deputados, as semanas subsequentes a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na Comissão Especial, e também a votação em primeiro turno pelos deputados.
Vianna relata que na cobertura televisa tiveram maior destaque as fontes oficiais do governo. “O que chama a atenção particularmente é que não houve tantos especialistas ouvidos. Foram somente dez especialistas ouvidos pelos três telejornais ao longo desses períodos, nove favoráveis ao projeto. Portanto, não havia nenhum tipo de contraponto com pessoas de fora do governo.”
O estudo também revela distorções de gênero na cobertura, com quase nenhum espaço garantido às mulheres. “Saltou aos olhos a divisão de gênero entre os especialistas. Tanto no impresso quanto nos telejornais, os números são aproximados. Nos jornais impressos, 88% eram homens. Nos jornais televisivos, 90% eram homens”, destacou Vianna.
O estudo constata o desrespeito à premissa básica do jornalismo que aponta a necessidade de ouvir os dois ou mais lados envolvidos numa discussão, diz Vianna. Ele destaca, ainda, que o “especialista”, tido como uma figura com conhecimento mais aprofundado sobre o tema, serviu para silenciar críticas à proposta. Ao discordar do especialista, o leitor e o espectador revelariam “desconhecimento” sobre a proposta, já que todas as opiniões apontadas eram favoráveis. Ele alerta, contudo, que há “bons economistas” com críticas mais agudas ao projeto, que não foram ouvidos.
A apresentação online do estudo será nesta quinta (12), às 19h, no canal do Intervozes no Youtube. Além de Vianna, participam da conversa a jornalista Maria Martha, da Gênero e Número, e o pesquisador João Feres, do Manchetômetro – o observatório dos meios de comunicação do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj.
Fonte: Rede Brasil Atual