Novembro 27, 2024
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Tensão entre EUA e China suplanta globalização, enquanto Mercosul se submete à UE

A reunião do G-20 realizada em Osaka na última semana de junho comprovou o quanto a era de ouro da globalização chega ao fim diante da emergência da guerra fria econômica e tecnológica entre os Estados Unidos e a China. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia foi apenas um detalhe que destoou das flagrantes debilidades do atual sistema multilateral mundial por 12 anos da crise global iniciada em 2008, pelo impasse do Brexit e pelos avanços da extrema direita na propagação do protecionismo e das medidas antiglobalização.

Nesse cenário desesperador para os defensores da já enfraquecida ordem neoliberal internacional, o Acordo Mercosul-UE condiciona a inserção tardia de parte da periferia latino-americana à falsa panaceia do livre comércio. Tem 25 anos que o governo dos EUA lançou, em 1994, o Acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), enquanto receita milagrosa para os males impostos à região submetida ao receituário neoliberal de adesão passiva e subordinada à globalização.

Na época, os argumentos contrários à Alca levaram ao seu abandono pela maioria dos governos latino-americanos a partir de 2005, quando foram estabelecidos novos organismos de cooperação inter-regional, sem a presença dos EUA. O entendimento de que o livre comércio realizado entre países com enorme disparidade econômica interessa mais às economias ricas, por ampliar o mercado dos outros países para seus produtos de maior competitividade e valor agregado, cabe também para o Acordo Mercosul-UE que se concretizado tende a ampliar o desemprego com o fechamento de indústrias locais e a maior especialização primário-exportadora.

A presente ausência de estudos e relatórios disponíveis que permitam avaliar impactos do acordo comercial, bem como o sigilo de critérios em torno da negociação, explicitam deficiências e assimetrias que logo mais deverão ser consideradas. De todo o modo, os países do Mercosul não apenas chegam tarde, como se colocam no sentido inverso do cenário mundial.

Isso porque a relação simbiótica entre a China e EUA estabelecida desde 2001, quando aderiu à Organização Mundial do Comércio (OMC), possibilitou que os produtos chineses inundassem o mercado interno norte-americano ao passo que as empresas estadunidenses integravam a mesma China em suas cadeias globais de produção, aproveitando-se dos baixos custos de produção e do acesso a novos mercados no mundo. Ao mesmo tempo, a China conseguiu apoiar parte de sua estrutura produtiva nos avanços tecnológicos como dos EUA, reciclando seus excedentes comerciais, mantendo desapreciada a sua moeda e tornando-se cada vez mais ultracompetitiva.

Os EUA, em contrapartida, absorveram os fluxos dos capitais excedentes dos chineses, o que permitiu financiar o crescente endividamento público e das famílias com baixas taxas de juros e manter o crescimento econômico interno com déficits no comércio externo. A escalada do modelo de globalização liderado pelos EUA em apoio às trocas deficitárias com a China, na ordem de 2% do PIB (cerca da metade do déficit comercial estadunidense), à financeirização da riqueza e ao deslocamento da produção tecnológica para a Ásia permeia a tardia reação nacional-defensiva de Trump, diante do declínio relativo estadunidense melhor percebido desde a crise global de 2008.

O cenário de fim da globalização encontra-se tensionado pela guerra fria que se abre no campo econômico e tecnológico. O renascimento do nacionalismo econômico dos EUA transcorre em simultâneo à reação equivalente que marcou o final da década de 1950, quando a URSS colocou em órbita o Spoutnik, indicando o atraso tecnológico estadunidense.

A crescente superioridade chinesa não se localiza apenas na capacidade de produzir e comercializar em grande escala no mundo, mas também na sua performance em articular novo itinerário de expansão econômica por meio do plano de investimento Rotas de Seda. Ademais, conforme se encontra em curso na programação Made in China 2025, o Estado chinês está a serviço da soberania nos domínios das tecnologias de comunicação e informação, robótica e inteligência artificial.

Em função disso, a China busca a sua própria autonomia, reduzindo desde os anos 2000 o grau de dependência das importações. No ano de 2017, por exemplo, o total das importações em relação ao PIB foi de 18%, enquanto em 2006 era de 28% do PIB e de 11% nos anos de 1990. A guerra comercial aberta pelos EUA e a proibição no uso das tecnologias da Huawei estabelecem novo marco no sistema multilateral de constrangimentos à globalização e de nova guerra fria econômica e tecnológica.

Parece não se tratar de mais uma exacerbação de rivalidades entre duas superpotências pelo exercício da hegemonia mundial. Ascende cada vez mais a possibilidade reafirmada por Xi Jinping, enquanto objetivo oficial de estabelecer o triunfo do socialismo à moda chinesa sobre o capitalismo em escala mundial.

*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. 

Fonte: Rede Brasil Atual