A retirada do sistema de capitalização do projeto de reforma da Previdência parecia ter tirado de cena o faminto interesse dos bancos, mas isso foi só uma miragem. Na verdade, depois que o relator da proposta, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou texto sem o sistema, o setor financeiro passou a pressionar pela inclusão de um outro sistema, o de securitização das dívidas públicas, na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, a que trata da reforma. A ideia do setor financeiro é que a securitização entre no projeto durante votação em plenário, junto com a reforma previdenciária dos estados, já que boa parte dos governadores também dizem apoiar a securitização.
‘Securitização’ é uma palavra sofisticada para o que a especialista em finanças públicas e ativista da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lúcia Fattorelli considera um esquema fraudulento de apropriação de tributos pelos bancos. No tal esquema, que teve uma de suas primeiras experiências no país em São Paulo, na gestão de José Serra no governo do estado, os créditos tributários do governo são “trocados” com o setor financeiro, com um deságio altamente lucrativo para os bancos, que em alguns casos chega a 50%.
“O relator retirou a capitalização da PEC e o setor financeiro não quer perder de jeito nenhum. Então, estão pressionando neste momento pela votação daquele projeto (PLP459/17) que trata da securitização de créditos públicos. Criaram uma engenharia financeira complexa, para desanimar todo mundo de entrar nesse assunto, para esconder o desvio da arrecadação tributária. Não tem nada mais grave do que isso”, afirmou a especialista nesta terça-feira (2), em vídeo postado no YouTube.
“O desvio da arrecadação significa que os tributos que todos nós pagamos não chegarão mais aos cofres públicos. Esse esquema da securitização cria um ralo no meio do caminho – o tributo chega à rede bancária e de lá não irá mais para os cofres públicos. Vai haver o desvio, estão sendo criadas contas vinculadas a uma nova empresa estatal para desviar o dinheiro no meio do caminho, principalmente para bancos privilegiados”, afirma Maria Lúcia.
“Nós estamos fazendo essa denúncia e pedimos às pessoas que façam contato com os parlamentares, porque não somos idiotas”, disse ainda. “Isso mostra que quem está mandando no Brasil é o sistema financeiro, que quer ganhar com a capitalização, mas isso saiu da PEC, porque afinal é um grande escândalo, e um roubo que está dando errado no mundo inteiro – de mais de 200 países, apenas 30 adotaram esse tipo de capitalização individual, e desses 30, 18 já desistiram e os outros 12 estão em colapso”.
Maria Lúcia diz que com o apoio de diversas entidades da sociedade civil interpelou extrajudicialmente todos os 513 deputados da Casa. “Serão responsabilizados em processos judiciais se votarem nisso. Mais tarde, quando tudo isso der errado, cada parlamentar que votou a favor, tendo sido avisado, poderá ser responsabilizado”, destacou. “Nenhum parlamentar poderá dizer que não sabia dos danos embutidos na PEC 6/2019”.
Ela ainda diz que a redação do projeto de securitização dentro da reforma da previdência é toda truncada, “para que ninguém perceba o roubo dos recursos arrecadados do contribuinte durante o percurso pela rede bancária”. E considera também que o sistema retoma o que se fazia na Idade Média na Europa. “Isso nos remete ao tempo do feudalismo, quando um reino invadia outro. E aquele que invadia tenha como primeira ação se apoderar dos tributos da área invadida. A securitização faz isso. É um abuso”, defende.
Além disso, o sistema fere toda a legislação de finanças do país, que é estruturada com base no orçamento único. “Todas as receitas têm de chegar ao orçamento e dele só podem sair com base na lei orçamentária”, o que não seria mais respeitado. “Por trás da reforma o que tem é um esquema de securitização para bancos. Estão tentando fazer um acordão na Câmara, negociando o apoio de governadores, que estão fora de reforma, em troca desse esquema fraudulento da securitização de créditos”.
Fonte: Rede Brasil Atual