Os relatórios financeiros da Vale, dona da barragem da mina de ferro Córrego do Feijão, em Brumadinho, que rompeu na sexta-feira (25), deixando um rastro de lama, morte e destruição do meio ambiente, mostram como a empresa realiza manobras contábeis que, embora aparentemente dentro da lei, comprometem o pagamento de impostos e tributos que poderiam ser utilizados em saúde, educação e segurança, áreas que a população brasileira mais reivindica melhorias.
O documento ‘Demonstrações Financeiras Intermediárias’, divulgado pela Vale em setembro de 2018, coloca em cheque o argumento neoliberal de que privatização desonera os cofres públicos, na medida em que ela sequer paga suas dívidas, afirma o economista Marcio Pochmann. “Este é o argumento de quem usa mal os recursos públicos”.
A privatização não fez com que a Vale deixasse de comprometer o tesouro nacional, diz o economista, explicando que a empresa não paga suas dívidas tributárias, refinancia. Ou simplesmente não coloca as dívidas no planejamento do seu orçamento de forma a evitar o pagamento de impostos.
Uma vez privatizada a empresa deveria passar a funcionar independente do Tesouro, de recursos do Estado, quando na verdade, elas deixam de recolher recursos que comprometem as áreas sociais que o governo tem de investir
- Marcio Pochmann
Os passivos bilionários da Vale
O representante dos empregados da Eletrobras no Conselheiro de Administração da estatal, Carlos Eduardo Rodrigues Pereira, analisou o relatório financeiro da Vale e foi taxativo no boletim Informativo distribuído à categoria com argumentos contra a privatização: a Eletrobras garantiu dividendos aos seus acionistas e à União. Já a Vale garantiu dividendos, mas não pagou tributos.
O informe aponta que o passivo – que define as dívidas contestadas na esfera administrativa e judicial - do contingente tributário apresentado pela Vale em 31 de dezembro de 2012 era de R$ 33,7 bilhões.
A direção da Vale acreditava que por ter um “forte embasamento jurídico” havia baixa expectativa de perda. Logo, nem provisionava essas ações em seu balanço.
A técnica da subseção do Dieese/Contraf, Vivian Machado, explica que esses passivos nada mais são do que obrigações na esfera civil e trabalhista de processos que a empresa ainda está negociando com a Justiça e por isso, ela precisa provisionar o valor, porque caso perca as ações precisará ter recursos guardados (provisionados, na linguagem técnica) para pagar.
“Essas ações podem envolver um pouco de tudo. Podem ser por morte de trabalhadores e trabalhadoras em acidentes, despesas com empresas terceirizadas que não pagaram funcionários, a tragédia ambiental em Mariana, multas ambientais em outros municípios. Enfim, uma série de fatos, cujas ações ainda transcorrem na Justiça”, explica a técnica do Dieese.
Ainda de acordo com o informe dos eletricitários, as provisões tributárias em 31 de dezembro de 2012 somavam R$ 1,2 bilhão.
No final de 2013, a Vale aderiu ao programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis).
Ao aderir, em novembro daquele ano, a empresa levou para o programa reivindicações tributárias que totalizavam R$ 45 bilhões.
Recebeu um perdão de R$ 22,8 bilhões mediante um pagamento de R$ 6 bilhões no ato e R$ 16,3 bilhões em 179 meses com atualização à taxa SELIC, como demonstra o quadro abaixo:
Com esse benefício fiscal dado para a Vale, o Tesouro Nacional deixou de receber, em valores de 2017 atualizados à taxa SELIC, o correspondente a R$ 35,9 bilhões. Dinheiro que deixou de ir para a saúde, educação e segurança.
Em 2018, apenas cinco anos depois da renegociação da dívida bilionária, o passivo contingente tributário da Vale voltou aos patamares de R$ 33 bilhões.
Ou seja, a empresa segue com a mesma estratégia de contestar diversas dívidas tributárias judicialmente de forma a nem considerá-las para efeito de provisionamento. Isso quer dizer que esses tributos sequer impactam o seu resultado, logo não reduzem seus lucros.
Esses números podem ser conferidos no documento ‘Demonstrações Financeiras Intermediárias’, de 30 de setembro de 2018 , na página 39, que demonstra que a Vale tem como passivos contingenciados, assim distribuído, processos tributários: R$ 33.671 bilhões + processos cíveis R$ 6.551 bilhões + processos trabalhistas R$ 6.547 bilhões + processos ambientais R$ 7.915 bilhões – total de R$ 54,684 bilhões.
Lobby de empresários compromete recursos públicos
O economista Marcio Pochmann também critica o discurso neoliberal de retirar do Estado o papel de exercer políticas sociais. Para ele, a saída do Estado da função empresarial tem comprometido os recursos públicos e incapacitado o governo de gerar boas políticas públicas.
“A Vale e outras grandes empresas organizam e financiam campanhas políticas e atuam na representação no Parlamento. A Petrobras, que é estatal, não financia campanhas, ao contrário do setor privado que atua de forma integrada e articulada para seu próprio benefício em detrimento da sociedade”, diz.
A Vale aprovou, em 2018, o pagamento de remuneração aos seus acionistas no Brasil um total de R$ 7,994 bilhões, a maior remuneração de um semestre desde 2014. Enquanto isto nenhuma casa foi construída às vítimas da barragem que se rompeu, em 2015, em Mariana.