Novembro 27, 2024
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WhatsApp muda e limita encaminhamento de mensagens

O WhatApp vai mudar. Na segunda-feira (21) executivos da empresa americana informaram que o aplicativo passará a limitar em cinco – e não mais 20 – o número de compartilhamentos, por vez, de um texto ou imagem para outros usuários ou grupos. Segundo os administradores da ferramenta de conversas mais utilizada no mundo, a tentativa é combater disseminação de informações falsas.

“Mais de 1 bilhão de pessoas, em mais de 180 países usam WhatsApp”, informa o site do aplicativo que foi comprado pelo Facebook em 2014.

As mudanças começaram pelos equipamentos Android e serão estendidas para aparelhos da Apple, segundo a empresa, por intermédio de atualizações. Essa limitação, agora em nível global, foi colocada em prática na Índia em julho passado. O país viveu uma onda de assassinatos e tentativas de linchamento em função de boatos espalhados pelas redes sociais.  

De acordo com o cientista Silvio Meira, porém, para quem estiver realmente determinado a espalhar qualquer tipo de informação, “seja desinformação, contrainformação, informação inverídica, boatos”, a mudança não vai fazer a menor diferença.

Professor extraordinário do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar School) e docente emérito do Centro de Informática da Universidade Federal do Pernambuco, Meira define “realmente determinado” como pessoas que podem contratar bancadas de operadores de celular, para quem a diminuição no número de compartilhamentos ainda não vai fazer a menor diferença.

Um exemplo recente desse ente "determinado" pôde ser visto na última campanha eleitoral. Segundo revelou a repórter Patricia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, uma agência paga por um grupo de empresários favoráveis ao candidato Jair Bolsonaro contratou administradores de grupos com números de fora do país (para evitar rastreamento interno). Esses administradores desencadeavam o disparo ilegal de notícias falsas contra o candidato adversário, Fernando Haddad, para dezenas de milhões de usuários brasileiros do WhatsApp. 

“Mas do ponto de vista do usuário normal, que por diletantismo pegava uma mensagem e saía clicando para todos os primeiros 20 grupos, passou a ser um problema. Agora vai ter de fazer vários compartilhamentos para chegar no mesmo lugar, na mesma performance”, pondera.

“Toda vez que você cria um limite de possibilidades numa ferramenta de tecnologia de informação e comunicação, você constrange a atividade do usuário normal aos limites impostos, porque ele não tem conhecimento da tecnologia por trás. Para pessoas verdadeiramente determinadas, só significa fazer mais esforço. Para pessoas verdadeiramente determinadas que sabem escrever código, isso é um desafio a ser superado”, explica. “Vai afetar sim usos apropriados e de interesse público. É o ponto onde chegamos.”

O professor lembra que essa não é a primeira vez que o WhatsApp diminui o número de compartilhamentos possíveis a partir de uma mesma lista de contatos ou grupos. “Era infinito, caiu para 20 e agora para cinco. Era um gerador universal de spam”, conta. 

Soluções são mais complexas

Para a jornalista Iara Moura, coordenadora do Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Intervozes, essa adequação aponta para um caminho a ser explorado, uma preocupação da plataforma que é uma resposta à pressão por parte da sociedade de combate à desinformação e às notícias falsas. “Mas não é suficiente, ao contrário. Isso preciso ser acompanhado de alterações que realmente promovam combate à desinformação.”

E desinformação, explica, é um fenômeno complexo, que vai além das fake news, do que é considerado falso ou verdadeiro. “E requer soluções também mais complexas que enfrentem questões como a propriedade dos meios de comunicação, altamente concentrada; pela educação para a mídia, por maior transparência das plataformas, por uma atuação mais contundente da Justiça e do Legislativo, que precisa se apropriar melhor desse cenário de convergência e apresentar soluções que envolvam a sociedade civil, pesquisadores, usuários, as plataformas privadas, o Estado.”

 

TV Cultura e Raquel Portugal/Icict/Fiocruz Silvio Meira e Iara Moura
Silvio Meira, da Cesar Scholl: usuário decidido a espalhar mensagens não factuais, vai continuar fazendo. Iara Moura, do Intervozes: empresas de telefonia também têm responsabilidade; poderiam identificar donos de chips mal intencionados

A jornalista avalia que não vão ser as plataformas privadas que, por si só, apresentarão soluções mágicas para essa questão. “Quando a gente pensa nos grandes fluxos de distribuição das chamadas fake news ou dos discursos de ódio que a gente viu muito no período eleitoral no Brasil, por exemplo, sabemos que são altamente financiados por capital muitas vezes até internacional. Então, precisaria aprofundar a questão da transparência, de quem financia esses fluxos de compartilhamento, que é uma verdadeira caixa-preta. Até porque a lógica de lucro dessas plataformas se alimenta do uso de dados, desse fluxo de informação financiado por esses grupos.”

Para o Intervozes, apesar de importante, a medida atingirá vários grupos sociais, de maneira injusta, com resultados nocivos. “Como vai afetar pequenos grupos, mesmo sociais e políticos, que usam a plataforma para o fim de disseminação de informação, de educação, direitos humanos, de troca de conteúdos que a gente sabe que nas mídias tradicionais não tem espaço?”, questiona.

O professor Silvio Meira também avalia que vai atrapalhar o usuário normal. "O cara que está no ponto de ônibus, no engarrafamento e quer espalhar uma mensagem engraçada para todo mundo. O usuário que está decidido a espalhar mensagens não factuais, esse vai continuar fazendo isso e não será empecilho.”  

Iara fala em preocupação mínima por parte da plataforma de conversas. “Isso porque a mudança não atinge as listas de transmissão, os grupos montados com essa figuração, a lógica de pirâmide que se dá nesses grupos. É onde está o coração desse fluxo de desinformação. Ou seja, não vai fundo no cerne do problema.”

E esclarece. “A gente não defende que haja mudança sobre essas listas, mas é uma forma de disseminação de conteúdo em larga escala, sobre a qual a plataforma não vai incidir.”

Iara critica ainda as empresas de telefonia em função dos spams. “Caberia a elas atuar no sentido de identificar quais são os chips que estão sendo utilizados somente para disseminação dessa rede de desinformação.”

As fake news nas eleições

Se as medidas adotadas pelo WhatsApp poderiam ter sido adotadas antes das eleições no Brasil – quando a ferramenta foi usada em larga escala para disseminar fake news –, Silvio Meira acredita que não faria o menor efeito para quem realmente estava decidido a espalhar notícias falsas. “Se tem como gastar, investir nas linhas de transmissão, pode esquecer.”

Iara afirma que realmente espanta que houvesse possibilidade de fazer, tomar esse tipo de medida que não foram tomadas antes. “Mas não é possível afirmar por que foi adotada só agora.”

Para ela, é preciso atentar para as organizações que financiam esse tipo de disseminação de informação danosa, de desinformação, de discurso de ódio, de notícias falsas. “Valeria, para além das ações das plataformas privadas, uma ação da Justiça”, que segundo a jornalista teve atuação “bem tímida, para dizer o mínimo” durante as eleições de 2018.

“O próprio TSE tomou pouquíssimas decisões em relação à retirada de conteúdo. Ao fim e a cabo, como coloca o Marco Civil da Internet, caberia a uma decisão judicial qualquer retirada de conteúdo, qualquer iniciativa que venha a delimitar o fluxo de informação que chega a determinadas pessoas por meio da internet.”

Criptografia e liberdade de expressão

As mensagens via WhatsApp são criptografas de ponta a ponta para garantir o sigilo do conteúdo, afirma a empresa. Ou seja, elas só podem ser lidas por quem as envia e pelo recebedor. Para alguns críticos, isso limita a capacidade de controlar o tipo de conteúdo que é compartilhado.

Iara Moura, no entanto, ressalta a importância de defender a criptografia. “Ela é superimportante para a liberdade de expressão, para o acesso à informação, para a manifestação, sobretudo quando a gente está num contexto de criminalização, de vigilância crescente de uso de dados pessoais.  A criptografia não pode ser entendida por si só como algo ruim. A gente não pode julgar esse instrumento pela forma como as pessoas o utilizam.”

Para Meira, esse é um problema antigo: quando se introduz limite a uma tecnologia aberta, que todo mundo quer usar, para controlar o mau uso da tecnologia, acaba limitando o bom uso também. “O maior limite mesmo no caso do WhatsApp é o tamanho dos grupos”, afirma o professor.

Com a nova medida do aplicativo, ainda é possível encaminhar uma mensagem para cinco grupos. Como cada grupo do WhatsApp pode ter até 256 membros, o número máximo de pessoas com que se pode compartilhar uma mensagem de uma vez passa a ser 1.280. Antes, o número máximo de pessoas que poderiam receber uma mensagem era de 5.120, o equivalente a 20 grupos cheios.

“Ao mesmo tempo que tem restrições impostas no WhatsApp, o Telegram está liberando restrições e aumentando o tamanho de seus grupos. É uma dinâmica de competição”, afirma Meira.

É a dinâmica que pautou o comentário de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL do Rio de Janeiro. No twitter ele comentou a decisão do WhatsApp: “Sério isso? Então vamos para wickr me, signal, telegram”.

A família de Jair Bolsonaro mantém uma relação de amor e ódio com o aplicativo de conversas. Entre 11 e 14 de outubro do ano passado, outro filho, o senador eleito Flavio Bolsonaro, teve sua conta suspensa. Além disso, a família é acusada de esquemas de disparo de mensagens em massa e notícias falsas usando WhatsApp.

 

Fonte: Rede Brasil Atual