O novo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e seus aliados "foram eleitos com um tipo de discurso que não sustenta um governo". "Eles vão ter agora que tomar decisões", diz o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. Para ele, os próximos governantes terão que decidir entre tentar executar o discurso que os elegeu, mas que é insustentável para um governo, ou adequar o discurso.
"Essa adequação passa por vários pontos. Um deles é que, na economia, não basta falar em privatização, mas tem que qualificar a mão de obra. Isso é educação, e está ausente (das falas de Bolsonaro e seu grupo). O segundo ponto é que todo o combate aos costumes mais modernos os coloca em enfrentamento com a realidade atual, e vai trazer a eles uma imagem muito ruim fora do Brasil, se houver perseguições a homossexuais, tolerância com violência contra pobres, negros e nordestinos."
Se essa postura prevalecer, os problemas à imagem do Brasil podem trazer "até mesmo consequências negativas para as exportações brasileiras", diz Janine.
"Ou eles vão manter o discurso que os levou à eleição, ou vão ter que se adequar à realidade. Acho que vão ficar divididos entre essas duas posições, ora tentando uma, oura outra."
Para o filósofo, "o próprio liberalismo econômico ilimitado padece de um equívoco muito grande, porque a ênfase maior tem que estar na qualificação de mão de obra por meio de uma educação de melhor qualidade". O problema, acrescenta, é que, ao contrário, quando os bolsonaristas falam de educação "é mais para torná-la conservadora, reprimindo o que ela tem de emancipador, do que para formar as pessoas melhor, inclusive nas ciências".
Ele cita a deputada estadual eleita em Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo (PSL), que defende a denúncia contra professores "doutrinadores" e até abriu um canal para isso na internet. "Isso significa tornar a profissão de professor ainda menos atrativa. Além de ganhar pouco e ter pouco prestígio social, o professor pode correr o risco de ter que ir para a Justiça para se defender, sem ter liberdade de cátedra", diz Janine.
"Mas não adianta ficar denunciando essas pessoas pelo mal que fazem para a democracia, tem que mostrar que a economia (como eles a pensam) é insustentável. Não basta denunciar Bolsonaro como ameaça à democracia. Isso todo mundo tem ouvido há muito tempo e ele teve quase 60% dos votos. As pessoas estão preocupadas com emprego, salário, que dependem do PIB."
Na opinião de Janine, o que o empresariado que o apoiou espera de Bolsonaro é que ele faça o PIB crescer através de reformas "bastante onerosas socialmente". "Mas estas reformas podem produzir o efeito contrário. Não adianta fazer reforma da Previdência, trabalhista e outras e esquecer a qualificação da mão de obra. Para melhorar a economia precisa melhorar a educação, e (o grupo do Bolsonaro) não tem noção disso."
Discurso ideológico
Na opinião de Janine, a esquerda insistiu muito em um discurso ideológico ao falar na educação, batendo na tecla de que educação é positiva para a democracia, mas deixou de lado que é importante também para a economia. "Não basta defender a educação falando da democracia. A justiça social passa por um aumento do PIB decorrente de uma melhora da educação. Esse é o ponto em que a esquerda tem falhado."
Para o ex-ministro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva entendeu muito bem a necessidade do povo, que era de trabalho, emprego, renda e se alimentar "três vezes ao dia".
Entretanto, ressalta, os governos petistas falharam na conscientização da população. "Olhando criticamente, o aumento do emprego com o governo Lula não foi do emprego com grande qualificação, e isso é pouco sustentável", diz.
"Na verdade, Lula entendeu bem que as pessoas queriam comer três vezes por dia, mas não queriam ideologia. O erro foi que ele não transmitiu a ideia de que era uma política pública progressista que estava gerando isso", avalia Janine.
Ele lembra que, no segundo mandato de Dilma Rousseff, a política pública deixou de satisfazer a população e o país entrou em recessão. Como consequência, Dilma perdeu apoio popular. "Se tivesse havido uma conscientização política maior, as pessoas diriam: 'faz dez anos que estamos melhorando de vida, e vamos cair fora porque tem uma crise de um ano? Vamos segurar a onda!'. A consciência política no Brasil é muito pouca."
O filósofo acrescenta: "O que derrubou a Dilma, entre outras coisas, é que, com a queda do PIB, não dava mais para fazer políticas sociais e os próprios beneficiários dessas políticas se voltaram contra ela".
Fonte: Rede Brasil Atual