Novembro 26, 2024
Slider

Sem o protagonismo dos bancos públicos e investimentos estatais, o Brasil não avança

A recuperação da última recessão econômica no Brasil será a mais lenta da história se a atual política de ajuste fiscal e contenção de investimentos continuar em vigor.

E tudo leva a crer que nada mudará, visto que os bancos públicos, essenciais na última década e meia, não apenas estão de mãos atadas, como sofrem um processo de desmonte.

Essa é a visão compartilhada pelos participantes da quarta etapa do seminário “O Futuro dos Bancos Públicos”. O evento aconteceu na terça-feira 16, no Rio de Janeiro, e é fruto de uma parceria entre a revista CartaCapital e a Fenae, Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal.

 “A crise mais recente é tão forte quanto aquela da década de 1980. Mas, na chamada ‘década perdida’, a recuperação deu-se em um ritmo muito mais forte. Em cinco anos o Brasil tinha se recuperado”, comparou a economista Esther Dweck, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Agora teremos uma retomada superlenta. Vai demorar até dez anos para voltarmos ao nível do PIB de 2014.”

Segundo a economista, essa lentidão não é novidade nas análises econômicas, como demonstrou o americano Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia.

Ao analisar a crise de 2008 nos EUA e na Europa, Krugman demonstrou que a contenção da crise foi rápida, pois os Estados de Bem-Estar Social serviram como colchão. O que veio a seguir, porém, não foi um forte aquecimento da demanda como o observado na grave crise de 1929.

“Começou a ser dito que, se os países não fizessem um grande ajuste fiscal, todos virariam a Grécia”, rememorou Dweck, amparada nas conclusões de Krugman. “Os países começaram a tirar o governo da recuperação e ela passou a ser lenta no mundo inteiro.”

Alguma semelhança com o Brasil atual? “O que se propõe aqui é justamente tirar o Estado do seu papel de estabilizador econômico. E isso tem muito a ver com essa discussão sobre a função das instituições financeiras estatais”, concluiu.

Para o sociólogo Emir Sader, “o futuro dos bancos públicos está diretamente ligado ao destino do Brasil”. Ao longo da história, afirmou, os bancos estatais foram importantes no financiamento do crédito e microcrédito, entre outros.

Mas, durante os mandatos petistas, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil “tiveram papel dinâmico, como indutor do crescimento econômico e da distribuição de renda”.

Com a derrubada de Dilma Rousseff, o ciclo foi interrompido, disse o sociólogo. “O governo Temer não precisa dos bancos públicos, pois não tem interesse em fazer política social.” E um dos riscos da vitória de Jair Bolsonaro reside no aprofundamento dessa política, apesar das negativas eleitoreiras do candidato.

“Na campanha eleitoral de 2014, os candidatos de direita diziam que manteriam o Bolsa Família. Mas seus gurus econômicos afirmavam que os bancos estatais ficariam reduzidos a nada. Iam fazer o Bolsa Família com o Bradesco, com o Itaú. De fato, só diziam que manteriam as políticas sociais pelo prestígio desses programas.”

Na visão de Sader, iniciou-se, no mesmo período da campanha para derrubar Dilma, um esforço de destruição da reputação dos bancos públicos, com ecos na disputa presidencial deste ano. “O Bolsonaro repete que ‘o PT quebrou o Brasil’. Que ‘gastou tanto na Venezuela, tanto em Cuba, tanto em propaganda’.

Nós não conseguimos convencer a massa da população de que o PT foi um governo que usou muito bem esses recursos, seja para fazer a economia crescer, seja para distribuir renda”, lamenta. “Essa foi uma batalha que perdemos.”

Não por acaso, sugeriu, Bolsonaro promete colocar no Ministério da Fazenda alguém “radicalmente ligado ao capital financeiro”. Em declarações passadas, o economista Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do presidenciável, verbalizou a intenção de privatizar o máximo possível.

Do outro lado do espectro, observa Sader, o candidato do PT garante que não vai colocar alguém do mercado no comando da economia.

Jair Pedro Ferreira, presidente da Fenae, teme o futuro dos bancos públicos. “Sem eles vai ser muito difícil, a sociedade brasileira vai pagar um preço muito alto. Principalmente a mais carente, que depende do Estado como principal indutor da distribuição dos ganhos do desenvolvimento.”

A importância dos bancos estatais, explicou Ferreira, está na capacidade de alcançar locais e clientes que as instituições privadas não têm interesse. “No Amazonas, não há um financiamento habitacional feito por bancos privados, são todos pelas instituições federais. No Ceará, chega a 95%.”

Uma atuação mais incisiva das instituições financeiras tem feito falta, argumentou Dweck. "Não tem milagre. O mundo não vai nos puxar. Basta ver os EUA e a China, em guerra comercial. As empresas não vão sair gastando, pois elas ainda esperam que sua capacidade instalada seja utilizada para voltar a investir e as famílias esperam que o desemprego caia para poder voltar a gastar. Sobrou um único ator que poderia nos tirar dessa situação, o Estado.”

O futuro parece tenebroso.

 

Fonte: Carta Capital