CartaCapital – O filósofo Vladimir Safatle não se espanta com os tiros contra os ônibus da caravana do ex-presidente Lula pelo Sul do Brasil, nem com o assassinato da vereadora Marielle Franco. Para o professor da USP, o país vive uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. “O pacto de normalidade política acabou”, afirma Safatle, e não se pode descartar uma guinada ainda mais autoritária, clássica, via golpe militar. “O campo progressista precisa estar preparado.”
O Brasil vive uma escalada fascistóide?
Os últimos acontecimentos demonstram claramente que entramos em uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. Não falo apenas dos tiros em direção aos ônibus do ex-presidente Lula. O assassinato da Marielle Franco até agora não mereceu nenhum tipo de resposta da parte das autoridades. Não há nenhuma informação, mesmo depois da enorme comoção causada pela morte. Espanta ainda que Geraldo Alckmin, governador do maior estado do País, e outros ocupantes de mandatos naturalizem o atentado contra a caravana do Lula. Praticamente Alckmin disse que o ex-presidente fez por merecer, ignorando completamente a diferença entre a violência simbólica da política e a violência real do extermínio.
O que ou quem poderia resolver esse impasse?
Não há solução no curto prazo. A sociedade brasileira caminha para os extremos da radicalização política. E não vejo outra saída. A questão é que até o momento só um dos extremos se organizou, o campo reacionário. O extremo progressista continua preso a uma certa crença de que existe um pacto de normalidade na vida política nacional. Esse pacto acabou. A política nacional não está em uma situação normal. É necessário levar isso em conta e estar preparado.
Esse falta de entendimento da realidade explicaria o fato de as manifestações espontâneas após a morte da Marielle não terem se convertido em algo mais efetivo e organizado?
Não existem atores políticos no Brasil que consigam expandir essas pautas e dar a elas um caráter de explicação genérica da situação nacional. A sociedade está em plena ebulição e as manifestações são todas espontâneas, como foram os protestos do ano passado contra o governo de Michel Temer e a greve geral, que mobilizou 35 milhões de trabalhadores. Mas faltam atores políticos que consigam sustentar essa ebulição por muito tempo. Os partidos estão degradados. Há um déficit brutal de organização no país. Toda essa força, enorme, se perde por completo.
Em geral, no Brasil, momentos como este desembocam em soluções autoritárias. Há esse risco?
Sim, evidentemente. É importante para a esquerda se preparar para todas as situações possíveis. Toda vez que aconteceu um retorno autoritário, a esquerda sempre foi a última a abandonar a esperança no Estado Democrático de Direito. Ficava esperando por algo que não existia mais, enquanto os reacionários organizavam a saída autoritária. É evidente que o fantasma paira no ar. No ano passado, o general Hamilton Mourão falou explicitamente em um projeto de golpe militar e não foi desmentido pelos superiores. Cria-se uma situação de tensão cada vez maior. A eleição, sabemos, será uma farsa, digna da República Velha, na qual se tiram os candidatos que não se quer que ganhe. O pacto de democracia mínima no Brasil não existe mais. Não por acaso, Temer acaba de falar que não houve golpe em 1964, mas um movimento consagrado pela população. A declaração, inclusive, é falsa do ponto-de-vista histórico. Pesquisas de opinião da época mostravam que João Goulart seria o mais votado nas eleições presidenciais. É mais uma falácia, na tentativa de transformar em escolha popular uma decisão das elites. Essa declaração laudatória do Temer não é nada estranha.