"Jessé, você acha que ainda vai viver pra ver a abolição no Brasil?" Foi com essa pergunta provocativa ao sociólogo Jessé Souza que o apresentador Juca Kfouri iniciou a edição desta terça-feira (27) do programa Entre Vistas, da TVT.
Definindo a si mesmo como um otimista, Jessé Souza disse que tem sim esperança em ver o fim real da abolição no Brasil. E usou como comparação a situação vivida pela Alemanha nos anos de 1960, quando houve um choque entre a geração que apoiou o nazismo e a geração seguinte do pós-guerra.
Para o autor do livro A Elite do Atraso – da escravidão à Lava Jato, o Brasil passa por um momento histórico regressivo, com influência importante da mídia tradicional no processo. Ainda assim, ele vê saída. "Há setores privilegiados que podem aderir a um sistema progressista, incluindo parte da classe média manipulada pelo golpe", analisa Jessé.
Ao longo de quase uma hora de programa, o sociólogo explicou sua visão de Brasil, cujo elemento central é a formação da sociedade a partir da escravidão e suas consequências. "A escravidão aqui era um sistema inteiro, tudo foi montado em torno dela. Essa teoria foi criada no Brasil e isso é decisivo. Quando se resgata a escravidão como questão principal, se resgata o elemento da humilhação e da distribuição da riqueza", explica.
Segundo Jessé Souza, a elite brasileira que antes escravizava é a mesma que agora explora o trabalhador. Porém, para isso dar certo, ele avalia, é preciso haver a participação da chamada classe média, a quem cabe o "trabalho sujo" de reproduzir os ideais da elite. "A classe média brasileira é uma espécie de 'capitão-do-mato' da elite." O sociólogo inclusive adiantou que seu próximo livro será sobre a classe média, uma classe "protofascista", com "ódio de pobre", mas ao mesmo tempo fracionada, com setores de pensamento crítico e progressista.
Na entrevista, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também analisou os erros e acertos dos governos Lula e Dilma, as razões que fazem o tema da corrupção ter tanto apelo na sociedade brasileira, e discorreu sobre a estigmatização do Estado como ente "do mal" enquanto o "assalto" do mercado é invisível.
"O esquema é impessoal. Quem nos assalta é o sistema do capital. Um presidente ou um juiz são lacaios. A dívida pública é a verdadeira corrupção. Quantitativamente, a corrupção da política é insignificante, e é usada como isca para estigmatizar a política", afirmou Jessé Souza.
Além do jornalista Juca Kfouri, o Entre Vistas teve a participação da jornalista Bia Pasqualini, do jornal Brasil de Fato, e de Douglas Belchior, fundador e professor na rede de cursos da Uneafro-Brasil.
O programa é exibido semanalmente às 21h – também pelo Youtube e Facebook – e a TVT pode ser sintonizada, em São Paulo, pelo canal digital 44.1.