Em 2016, 49.497 pessoas foram estupradas no Brasil; 90% das vítimas eram mulheres. A taxa nacional de estupros cresceu 3,8%, chegando a 24 casos a cada 100 mil habitantes, revelam dados do 11º Anuário Brasileiro da Segurança Pública, divulgado ontem pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que mostrou piora generalizada em todos os indicadores nacionais de criminalidade. "São dados impressionantes, que reforçam a necessidade de mudanças urgentes na maneira como fazemos políticas de segurança pública no Brasil", afirmou Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum.
Estima-se que o número de estupros seja muito maior, já que trata-se de um crime extremamente subnotificado, entre outros motivos, porque a polícia não está preparada para atender mulheres em situação de violência sexual e doméstica, alertam especialistas do Fórum. "Assim como o policial aprende a atirar na academia, ele precisa aprender a atender uma mulher em situação de violência", afirmou a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno.
O relatório também aponta que foram assassinadas 4.657 mulheres no ano passado, o que representa uma diminuição em relação às 4.845 mortes registradas em 2015. Mas só 533 casos - 3,5% do total - foram enquadrados como feminicídio, conforme determina a lei.
Sancionada em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff, a Lei do Feminicídio, que define situações em que o homicídio é determinado por questões de gênero, foi sancionada em março de 2015. Assim, 2016 foi o primeiro ano completo em que esses crimes foram contabilizados. "Como lei de feminicídio é recente, não há orientação clara em muitas polícias por registro adequado", afirmou Olaya Hanashiro, coordenadora de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que defendeu a criação de protocolos específicos para o atendimento. "O feminicídio é só o desfecho fatal de uma série de violências que a mulher sofre, como o estupro", afirmou a especialista.
Segundo Olaya, o caminho para reduzir esses índices de criminalidade é a prevenção, que passa por criar uma rede de atendimento preparada para receber a mulher que sofreu a violência. "A mulher muitas vezes não denuncia porque tem medo de sofrer uma violência ainda maior", disse. Na apresentação dos dados, os representantes do Fórum citaram estudos acadêmicos que indicam que só 10% dos estupros são notificados no Brasil.
Olaya afirmou que prevenir a violência contra a mulher passa por ensinar desde cedo sobre equidade de gênero. "Falar de acordo com a idade de cada criança e a capacidade que ela tem, que meninos e meninas têm que ser respeitados da mesma maneira."
Samira citou como exemplo recente do despreparo das polícias a morte de uma mulher no Estado de Minas Gerais. Ao denunciar seu ex-companheiro como agressor, foi colocada em uma viatura policial junto com ele e morta quando estavam sendo levados para a delegacia para prestar depoimento. "Isso é um tipo de episódio que jamais não poderia ter acontecido", afirmou Samira, que defendeu a criação de protocolos básicos entre os profissionais de segurança para atendimento de uma mulher vítima de violência sexual e doméstico. "Não podemos continuar revitimizando a mulher em situações em que ela fica muito exposta", afirmou.
Outro aspecto destacado pelo Fórum é a baixa presença das mulheres nas corporações policiais, estimada em torno de 10%. "Como é que a gente vai imaginar que essa corporação vai estar apropriada para atender a mulher em situação de violência? Em 2017, não faz sentido limitar a entrada de mulheres nessas carreiras, hoje baseadas em inteligência".
O presidente da Associação Nacional de Praças (Anaspra), cabo Elisandro Lotin, afirmou que, além da pouca presença das mulheres nas polícias, cerca de 40% das profissionais da segurança pública relatam sofrer assédio moral e sexual durante o trabalho. "As mulheres são aviltadas em seus direitos mais básicos", afirmou Lotin.