Sistemática da MP 777, que tramita em comissão mista no Congresso, vai encarecer o financiamento de longo prazo do banco de fomento, afetar investimentos, emprego e agricultura familiar
por Eduardo Maretti, da RBA
A Medida Provisória 777, de 27 de abril, estabelece o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) – que baliza os financiamentos concedidos pelo BNDES desde 1994 – e cria a Taxa de Longo Prazo (TLP). A nova TLP será calculada de acordo com metodologia definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a partir da inflação medida pelo IPCA e será atrelada a títulos do Tesouro NTN-B.
A ideia é aproximar a TLP da taxa Selic, e portanto dos parâmetros do mercado. Ela deve passar a vigorar a partir de 2018 e vai encarecer o financiamento de longo prazo para indústrias, máquinas, equipamentos e infraestrutura, e também para cooperativas e quem quer que utilize créditos do BNDES.
O deputado Afonso Florence (PT-BA), membro da comissão mista do Congresso que discute a MP 777, diz que a nova metodologia impacta no consumidor comum de forma indireta. "Com a TJLP e os critérios em vigor, o governo incentivava o desenvolvimento. Por exemplo, o empréstimo agrícola subsidiado, que tem a TJLP baixa. Alterando os critérios da TJLP e criando a TLP, vai aproximá-la da Selic. Como a política é manter uma Selic alta, o empréstimo fica mais caro para as cooperativas de agricultura familiar, por exemplo", diz.
Para ele, a MP 777 "é nefasta" para a economia brasileira. Mantendo o mesmo exemplo da agricultura familiar, na produção de leite, queijo, cortes selecionados de bovino, caprino ou suíno, com alteração das regras e a aproximação da taxa dos juros de mercado, esses produtos chegarão ao supermercado mais caros. "Para os brasileiros, reduz o investimento de longo prazo, a viabilidade de investimentos estratégicos, e encarece os produtos, bens e serviços dos segmentos que captam esses recursos."
Tudo pelo ajuste
Na quinta-feira (27), o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), informou que o parecer do relator da MP 777, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE), deve ser votado até 15 de agosto na comissão mista. O governo defende a TLP sob o argumento de que ela é importante para o "equilíbrio fiscal".
Como a TJLP é de 7% ao ano e a Selic é sempre maior (está hoje em 9,25%), a tradução é que o crédito do BNDES é subsidiado, o que está em desacordo com o ideário de um governo que aplica os princípios do "Estado mínimo".
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), também integrante da comissão mista, a MP "destrói a possibilidade de uma intercessão mais efetiva do Estado no processo de desenvolvimento nacional". "Eles têm que apontar qual o país no mundo que se desenvolveu sem uma base de apoio efetivo do Estado. De que subsídio estamos falando? Não estamos falando de um Japão ou Alemanha, mas do país que tem a maior taxa de juros do planeta", afirma a senadora. "Vamos fazer de tudo para derrotar essa MP."
"Os subsídios oneram os cofres públicos, é verdade. Só que ele está tirando daquilo que ajuda a distribuir renda e gerar emprego. Eles alegam que não pode ter subsídio, mas mantêm subsídios para os grandes conglomerados e corporações do capitalismo brasileiro, como por exemplo a MP do Refis", diz Florence, sobre a MP 783, que estabelece facilidades de financiamento de dívidas tributárias. Uma das facilidades é o desconto nos juros e multa em até 99% a quem aderir ao programa.
A posição da Associação dos Funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (AFBNDES), que faz campanha contra a medida, é a de que a MP coloca em risco o investimento de longo prazo no Brasil para o setor produtivo e também ameaça o BNDES enquanto banco de desenvolvimento. A medida também impõem barreiras à geração de empregos e à retomada do crescimento econômico.
"Ela não contribui para a retomada dos investimentos. Ao contrário, cria mais barreiras: num momento em que a economia se encontra em sua pior crise da história, em vez de se buscar o fortalecimento do BNDES e a retomada do crescimento econômico, a MP proposta inviabiliza o funcionamento do banco, dificultando ainda mais a superação da crise", diz a entidade.
Segundo a AFBNDES, a MP 777 "provoca danos ao eliminar instrumentos de competitividade da indústria, conceder ao 'mercado' poder absoluto sobre o controle do crédito de longo prazo no Brasil e provocar a perda de autonomia do país sobre decisões relacionadas a investimentos estratégicos".
O governo não estava "afinado" em relação aos novos critérios. Tanto que, no início do mês, o próprio presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, criticou a nova TLP, dizendo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que poderia comprometer as empresas que precisam do crédito, dada a sua volatilidade. "Primeiro ele resistiu muito, mas depois teria sido enquadrado", diz Vanessa Grazziotin.
Diante do quadro de desconforto, o governo resolveu "alinhar" o discurso. Há duas semanas, foi emitida uma nota conjunta assinada pelos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento), além dos presidentes do Banco Central (Ilan Goldfajn) e do próprio BNDES, Rabello de Castro. Na nota, os signatários assumem a defesa dos novos critérios.