Medidas previstas na reforma que começa a valer em novembro preveem multas contra o autor da ação, o que pode afastar ainda mais o acesso ao Judiciário
“Entre na Justiça e saia devendo.” Essa frase, que pode parecer absurda em um primeiro momento, vai se tornar normal após entrar em vigor a Lei 13.467 – também conhecida como reforma trabalhista –, a partir do mês de novembro.
A nova legislação prevê dispositivos que poderão resultar em punições ao trabalhador que acionar o Judiciário reivindicando direitos trabalhistas. O artigo 793 da reforma, por exemplo, versa sobre o litigante de má-fé. O texto descreve essa figura como quem, aos olhos da Justiça, tenta alterar a verdade dos fatos; usa o processo para conseguir objetivo ilegal ou interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório – ou seja, pretende, com uma ação, adiar o processo como um todo.
“Podemos interpretar que, na prática, isso significa que o trabalhador que perder em primeira instância por decisão da Justiça pode ser penalizado caso entre com recurso e este seja entendido como tendo ‘intuito protelatório’. Nesse caso, o trabalhador poderá ser condenado a pagar uma multa, que pode chegar a até 10% do valor da causa, além de arcar com honorários advocatícios”, afirma João Fukunaga (foto), secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato e funcionário do Banco do Brasil. “Portanto, o que antes seria um direito trabalhista de reclamação justa, pode se tornar uma penalização ao trabalhador. Principalmente se levarmos em consideração que boa parte das ações individuais e coletivas levadas à primeira instância em São Paulo sempre foi desfavorável ao bancário em reclamações como assédio moral, dano moral, ou outros tipos de reclamações”, completa.
Ausência será castigada – Os empecilhos ao acesso à Justiça presentes na reforma não param por aí. O artigo 844 prevê, em seu parágrafo segundo, que se o trabalhador que ingressar com ação – ou mesmo a testemunha indicada – faltar à audiência, o reclamante na ação será condenado a pagar as custas do processo, “ainda que beneficiário da justiça gratuita”.
A não ser que consiga comprovar em até 15 dias que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável, o trabalhador poderá ser obrigado a pagar até quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de R$ 5.531,31, conforme consta no artigo 789 da mesma lei. Além disso, só poderá ingressar com nova demanda se efetuar o pagamento dessas custas.
Outras ameaças – Esses não são os únicos pontos que desestimulam a busca por direitos trabalhistas na Justiça. O artigo 790-B determina que “a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita”. Ou seja, caso não tenha ganho de causa na ação, o trabalhador terá de pagar o valor de uma eventual perícia que tenha sido realizada em decorrência do processo.
Mais adiante, no artigo 791-A, o texto prevê a possibilidade de pagamento de honorários de sucumbência recíproca. “Honorário de sucumbência” é o princípio que determina que a parte perdedora em um processo arque com os honorários do advogado da parte vencedora. O terceiro parágrafo desse artigo trata da questão da “sucumbência recíproca”, quando há procedência parcial. Ou seja, se o trabalhador conseguir na Justiça apenas uma parte dos direitos pleiteados inicialmente, terá de pagar parte dos honorários dos advogados da empresa.
Histórico – O Sindicato sempre defendeu que recorrer à Justiça fosse algo necessário após esgotar todos os processos negociais cabíveis, pois em inúmeros casos as sentenças do Judiciário são desfavoráveis ao trabalhador. Com essa reforma, a reivindicação trabalhista se torna um ônus financeiro para o próprio trabalhador, inviabilizando os direitos no curto prazo e, no longo prazo, tornando a Justiça do Trabalho inoperante frente às empresas.