Apesar de ter provocado a crise econômica, que desde 2008 fechou mais de 30 milhões de postos de trabalho em todo o mundo, e na Europa estar destruindo o Estado de bem-estar social construído em quase um século de lutas dos trabalhadores, o neoliberalismo perdeu o pudor e volta a dominar todos os espaços na grande mídia nacional.
Em nome do deus mercado, os neoliberais, cujo quartel-general se esconde nas entranhas no sistema financeiro, combatem a política de queda de juros e spread do governo federal, rebelam-se contra a redução das tarifas de eletricidade e contra as intervenções do Estado para regular áreas estratégicas da economia. Demonizam as políticas sociais e amplificam a campanha visando criminalizar a ação política dos que os combatem, especialmente dirigentes políticos do Partido dos Trabalhadores.
Carlos Cordeiro, presidente da Contraf-CUT, que acaba de ser reconduzido à presidência da UNI Américas Finanças, defende que é desafio do movimento sindical sair do corporativismo e fazer esse enfrentamento com os neoliberais e com os conservadores, que têm hoje a hegemonia nos grandes veículos de comunicação.
Nesta entrevista exclusiva, concedida às vésperas do ano novo, Carlos Cordeiro faz também um balanço da campanha nacional dos bancários de 2012 e aponta os desafios para o futuro.
Que balanço você faz do ano de 2012?
Carlos Cordeiro – Foi bastante positivo. O êxito na verdade teve início em 2011, quando sofremos uma pressão muito grande dos banqueiros, da mídia e do governo para não ter aumento real de salário, porque traria inflação. Fizemos o enfrentamento, junto com outras categorias, e conquistamos ganho real de salário pelo oitavo ano seguido. E em 2012 não tivemos um aumento de inflação, como eles ameaçavam, e tivemos novo ganho real.
Nos últimos nove anos, conquistamos 16% de aumento real em todos os salários e 36% de ganho real no piso. Podemos dizer que é uma política permanente e constante de aumento real de salário e valorização do piso. E isso ocorre no momento em que comemoramos os 20 anos da nossa Convenção Coletiva de Trabalho, que é hoje uma referência para todos os trabalhadores brasileiros.
Não tem maior inclusão social do que distribuição de renda via aumento de salário. Embora ainda em uma velocidade lenta, é uma mudança, porque antigamente tínhamos perdas e neste último período conseguimos reverter, o que é fundamental para reduzir a desigualdade no país. O aumento real deste ano vem coroar esta política correta, que começa lá atrás com a Convenção Coletiva.
Os avanços na parte econômica foram o ganho mais importante?
Carlos Cordeiro – Não. Tão ou mais importante que as conquistas econômicas são os avanços sociais no último período. Em 2012, por exemplo, tivemos grande avanço no tema da segurança bancária. No ano passado tivemos 49 mortes em assaltos envolvendo bancos e no primeiro semestre de 2012 foram 27 homicídios, o que nos obriga a buscar uma solução. Conseguimos manter uma dinâmica de negociação sobre segurança com a Fenaban que aponta para um projeto-piloto, embora ainda com algumas fragilidades, que contempla antigas reivindicações como porta giratória com detector de metal e biombos em frente aos caixas. Abrimos um canal de negociação onde vamos poder testar essa política de segurança, fazer uma avaliação do que funcionou ou não funcionou, com o objetivo de implantar um projeto nacional.
O que mais você destacaria da campanha nacional de 2012?
Carlos Cordeiro – Na questão do emprego, tivemos avanços na Caixa, com a contratação de mais de 5 mil bancários em 2012 e com a conquista de uma cláusula no acordo coletivo que garante mais 7 mil contratações em 2013. Isso é importante na disputa que estamos travando com os bancos privados, particularmente Santander e Itaú.
O banco espanhol, que obtém aqui 26% do lucro mundial, demitiu 1.280 trabalhadores na véspera do Natal, desrespeitando o Brasil e os brasileiros. Já o Itaú, apesar do maior lucro do sistema financeiro nacional, cortou mais de 7 mil postos de trabalho nos primeiros nove meses do ano, mostrando que não está gerando empregos para contribuir com o desenvolvimento do país. Além disso, eles abusaram da rotatividade, essa jabuticaba para reduzir custos e turbinar lucros, além de pagarem bônus milionários para os altos executivos.
Conquistamos ainda novas cláusulas sobre saúde do trabalhador e no tema igualdade de oportunidades também teve avanço. Conseguimos arrancar da Fenaban a realização de um novo censo, que vai permitir fazer uma reflexão aberta, pública em relação às políticas que os bancos vêm adotando a partir do Mapa da Diversidade, e saber se surtiram efeito ou não. Hoje temos clareza que não surtiram efeito, mas o novo censo, embora não seja instrumento que acabe a discriminação, é um meio importante para discutirmos em cima de fatos concretos com a Fenaban sobre políticas para acabar com as discriminações. Isso é uma luta, é um processo e o censo é mais um passo nessa direção.
Você destacaria algo no campo da organização da categoria?
Carlos Cordeiro – A grande conquista que temos é a unidade dos bancários de todo o país. Não só na campanha deste ano, mas do último período, evidenciando que, quanto maior a unidade dos bancários, maior são as conquistas. E isso aponta para o futuro. Se de fato queremos enfrentar os bancos e melhorar as condições de trabalho e remuneração dos bancários, vai depender no nosso grau de unidade. Não só unidade entre trabalhadores dos bancos públicos e privados, mas também unidade interna do movimento sindical bancário.
E quais os desafios que você enxerga para 2013?
Carlos Cordeiro – O projeto político eleito pelo povo brasileiro vem sendo atacado constantemente pela direita organizada neste país, comandada pelos grandes meios de comunicação. E isso nos leva a uma disputa que está colocada na sociedade hoje. Nós do movimento sindical, que somos a referência dos trabalhadores, precisamos entrar nesta disputa mais fortalecidos ainda, organizados e articulados.
É importante também pautar a discussão dos temas que interessam aos trabalhadores e à sociedade. A reforma tributária é um deles. Que reforma tributária os trabalhadores querem? E dentro dela qual o papel do Estado, quem vai financiar o Estado, quais as políticas públicas, as políticas sociais?
O 3º Congresso da Contraf-CUT, em abril de 2012, apontou mais temas prioritários para os trabalhadores na discussão com a sociedade?
Carlos Cordeiro – Sim. Outro tema importante é a reforma política, que há décadas está na ordem do dia, mas cuja discussão não avança porque é travada pelas forças conservadoras. Qual a reforma política que queremos? Como devem ser o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras de vereadores para que de fato representem os trabalhadores e não o poder econômico, como hoje, que coloca lá seus representantes com campanhas milionárias? Precisamos discutir o financiamento público das campanhas políticas.
E sobre o sistema financeiro?
Carlos Cordeiro – A reforma do sistema financeiro é absolutamente prioritária. Por isso, nós precisamos cada vez de uma conferência nacional sobre o sistema financeiro. Como o governo ignorou as várias solicitações que fizemos para realizá-la, cabe aos trabalhadores e outros representantes da sociedade concretizá-la. É muito importante discutir não apenas o papel dos bancos e do crédito, mas acima de tudo o que a sociedade quer de um sistema financeiro, para onde estará direcionado, quem vai ser atendido, a questão da universalização dos serviços bancários, a redução dos juros e das tarifas e, acima de tudo, com fiscalização eficiente e punição exemplar quando houver falcatruas.
Há outros temas que ganham relevância cada vez maior, como por exemplo o do marco regulatório da mídia.
Carlos Cordeiro – Acho que precisamos discutir urgentemente uma regulamentação da mídia. O marco regulatório das comunicações no Brasil é de 1962, de uma época que não havia sequer televisão a cores, quanto mais TV a cabo e internet. A Argentina está fazendo essa discussão, com um projeto que tem recebido elogios das Nações Unidas. A Inglaterra está punindo os excessos e crimes cometidos pelos jornais do Rupert Murdoch. Na Europa e nos Estados Unidos há limite para que um mesmo grupo empresarial acumule propriedades cruzadas de meios de comunicação, de forma a impedir o oligopólio e incentivar a diversidade de propriedade de meios de comunicação e, em última instância, a liberdade de expressão e a pluralidade de opiniões.
As reformas tributária e política, a regulamentação do sistema financeiro e o marco regulatório das comunicações são temas que a sociedade, e especialmente os trabalhadores, precisam ficar a par deles. E para isso o movimento sindical precisa estar preparado, conhecer esses temas e se especializar neles para promover a discussão, fazer o debate e dialogar com os trabalhadores. Temos que ter posição a respeito desses temas e, mais do que isso, fazer a disputa na sociedade, sendo a referência dos trabalhadores, porque hoje os empresários acabam sendo a grande referência.
E quais são os desafios no campo sindical?
Carlos Cordeiro – Do ponto de vista corporativo, o grande desafio hoje colocado é o emprego. Temos de criar condições para grandes mobilizações em defesa do emprego, porque banco e governo é como feijão: só com pressão. É importante negociar, estabelecer as mesas de negociação, mas negociação sem mobilização é frágil. E isso passa por ampliar nosso diálogo com os trabalhadores, para estarem mais presentes nesses processos de negociação, participando das mobilizações.
É possível dar um salto de qualidade no debate do emprego. Não podemos ficar atrás do debate que há em outros países, que têm empregos estáveis, sem rotatividade. Esse é, sem dúvida, hoje o maior desafio que a categoria bancária tem. É preciso acabar com a demissão imotivada, com a terceirização, com a precarização, com o trabalho indecente, com os projetos de correspondentes bancários.
Os outros dois desafios corporativos são o da remuneração e das condições de trabalho. É preciso inverter essa lógica de remuneração variável x remuneração fixa. Temos que lutar por uma remuneração decente, fixa, e que tenha impacto em toda a vida laboral, especialmente na aposentadoria do trabalhador. Essa é uma mudança que vai depender de muito debate com os trabalhadores e muito enfrentamento com os bancos e com o governo. E, claro, da nossa unidade e mobilização.
Por fim, qual é a sua mensagem de ano novo para bancários e bancárias de todo Brasil?
Carlos Cordeiro – Quero desejar um maravilhoso ano novo para toda a categoria e seus amigos e familiares, repleto de muitos sonhos, esperanças, lutas, conquistas e realizações. Que as luzes do Natal nos acompanhem e iluminem os nossos caminhos ao longo de 2013. E que tenhamos muita paz, que só existe com emprego, melhores salários e condições de trabalho, respeito, valorização, justiça social e dignidade.
Fonte: Contraf-CUT